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A virada regulatória do cripto no Brasil: O que sua empresa precisa fazer agora para evitar multas

Novas resoluções 519, 520 e 521 do Banco Central inauguram a primeira fase robusta de supervisão do setor e criam novo padrão de governança.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Atualizado às 11:23

Nos últimos anos, o mercado de criptoativos deixou de ser periférico para ocupar posição central no debate regulatório. Neste mês, o Banco Central publicou as resoluções BCB 519, 520 e 521, fundamentadas na lei 14.478/22 e em diálogo com o novo marco cambial (lei 14.286/21) dando previsibilidade ao setor. No entanto, trata-se de uma regulamentação das mais rigorosas do mundo para o setor, uma vez que trata as empresas de serviços de Ativos Virtuais praticamente como instituições financeiras. A mudança tem potencial para afastar a maioria dos atuais players do mercado.

Em termos práticos, governança, prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT), segurança da informação, proteção do cliente e reporte regulatório passam a integrar a rotina do negócio, e não apenas da área jurídica. 

Este artigo apresenta, de forma objetiva, o que mudou, quem é impactado e um roteiro de adequação para iniciar de imediato, além do papel do advogado especializado em Direito Digital e Regulatório nessa transição.

O novo desenho regulatório: breve relato de cada resolução

  1. Resolução BCB 519: A nova regra estabelece quem pode prestar serviços de ativos virtuais no Brasil e como essas empresas devem operar. Introduz a figura das SPSAVs - Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais, sujeitas a padrões do Sistema Financeiro Nacional: governança efetiva, controles internos, segurança cibernética, proteção do cliente e PLD/FT com evidências (pessoas, processos e registros).
  2. Resolução BCB 520: O seu teor detalha o processo de autorização e as regras de transição. Quem já atua terá janela para protocolar o pedido com dossiê robusto (atos societários, comprovação de idoneidade, plano de negócios, políticas, estrutura de riscos, continuidade e segurança). Para novos entrantes, os requisitos estão definidos.
  3. Resolução BCB 521: Prevê a integração de determinados fluxos envolvendo ativos virtuais ao regime de câmbio e capitais internacionais, exigindo classificação apropriada das operações transfronteiriças e reporte ao Banco Central, em consonância com o novo marco cambial.

Vigência: a maior parte das disposições entra em vigor em 02 de fevereiro de 2026, com cronogramas específicos para os reportes.

Quem deve priorizar a adequação

  1. Exchanges, custodiantes e brokers de ativos virtuais;
  2. Gateways, antifraude e meios de pagamento que interajam com ativos virtuais;
  3. Instituições e empresas que aceitem, liquidem ou conciliem ativos virtuais;
  4. Organizações com fluxos transfronteiriços (pagamentos, remessas, liquidações, conversões).

Se sua operação se enquadra em uma das atividades disciplinadas, é prudente iniciar imediatamente o processo de conformidade.

O que muda na prática

  1. Governança: participação efetiva da alta administração, com políticas aplicadas, comitês, atas, indicadores e auditoria interna proporcionais ao risco.
  2. Proteção do cliente: transparência de riscos e condições, regras de conduta, tratamento de reclamações e, quando aplicável, segregação patrimonial.
  3. PLD/FT: KYC/KYB, monitoramento transacional, observância de sanções e trilha de evidências de execução.
  4. Segurança da informação: gestão de vulnerabilidades, continuidade de negócios, resposta a incidentes e governança de terceiros.
  5. Câmbio e capitais internacionais: classificação e reporte de operações transfronteiriças com ativos virtuais, com alinhamento entre jurídico, compliance, contabilidade e fiscal.

Sinais de maturidade observados pelo regulador

  1. Inventário atualizado de casos de uso e fluxos críticos (incluindo automações com tomada de decisão).
  2. Políticas operacionais que se traduzem em processos, indicadores e responsabilidades.
  3. Registros e relatórios críticos preservados (logs, versões, evidências de treinamento e auditorias).
  4. Contratos com terceiros que preveem auditoria, resposta a incidentes e continuidade.
  5. Capacitação recorrente de jurídico, produto, risco, engenharia e atendimento.

Roteiro de conformidade para início imediato

  1. Gap analysis (res. 519/520): Mapear lacunas em governança, PLD/FT, segurança, proteção do cliente e continuidade, listando evidências existentes e faltantes (políticas, atas, relatórios, indicadores).
  2. Arquitetura cambial (res. 521): Classificar os fluxos transfronteiriços (pagamentos, remessas, liquidações, conversões), definir documentos e reportes, com participação de contábil/fiscal desde o desenho.
  3. Dossiê de autorização (res. 520): Organizar atos societários, comprovar idoneidade, documentar plano de negócios, estrutura de riscos, segurança e continuidade.
  4. Terceiros críticos: Renegociar cláusulas de auditoria/assessment, SLA de incidentes, acesso a evidências, continuidade e rescisão por risco.
  5. Comunicação com clientes: Atualizar termos, políticas e telas (riscos, tarifas, regras de conduta, atendimento). Transparência reduz contencioso e fortalece confiança.
  6. Medidas complementares: Criação de um comitê ativo com atas mensais, auditoria-piloto em PLD/FT e segurança, e dashboard de KPIs (incidentes e tempos de resposta).

Como evitar armadilhas comuns

  1. Políticas sem execução prática: associe cada política a processos, responsáveis, métricas e trilhas de auditoria.
  2. Terceiros sem governança contratual: padronize aditivos com auditoria, SLA de incidentes, acesso a evidências e continuidade.
  3. Classificação cambial tardia: defina arquitetura e classificação no início; integre ao fluxo sistêmico.
  4. Segurança checklist: adote programa baseado em risco, incluindo chaves privadas (quando houver custódia) e plano de resposta a incidentes.
  5. Proteção do cliente limitada a avisos: leve a transparência para telas e fluxos, com prazos de resposta e, quando cabível, segregação patrimonial.
  6. Atuação em silos: crie comitê multidisciplinar (governança, PLD/FT, segurança, câmbio) com reporte executivo.

Como o advogado especializado em Direito Digital e Regulatório apoia a transição

  1. Regulatório BC (res. 519/520/521): desenho de governança, dossiê de autorização, políticas e evidências; interlocução com o regulador.
  2. PLD/FT & Segurança: frameworks, testes de aderência, auditorias proporcionais e planos de resposta a incidentes.
  3. Câmbio & Capitais: classificação de fluxos com ativos virtuais, documentação e reporte; integração contábil e fiscal.
  4. Contratos & Terceiros: aditivos que viabilizam auditar e reagir.
  5. Treinamento executivo: alinhamento de diretoria e áreas críticas, com material que permanece na empresa.

Portanto, para evitar respostas reativas e demonstrar diligência contínua, é recomendável iniciar agora a jornada de conformidade: ela preserva a operação, mitiga riscos regulatórios e reforça a confiança de clientes e parceiros.

Helio Ferreira Moraes

Helio Ferreira Moraes

Sócio da área Digital do PK Advogados, este profissional traz uma sólida formação em Direito (1995) e Engenharia Eletrônica (1990) pela USP. Sua atuação é reforçada por uma LLM Binacional em LGPD & GDPR, obtida no Brasil e em Portugal. Reconhecido por sua expertise, co-coordena a Comissão de Tecnologia da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC) e é vice-coordenador do Comitê de Tecnologia e Sociedade do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE). Como autor, publicou "Privacidade e proteção de dados pessoais" (ed. Senac, 2024), livro-texto do curso de especialização em LGPD do SENAC. Sua experiência acadêmica é vasta, atuando como professor no MBA USP/Esalq, em cursos de LGPD no IBDEE e de DREX na LEC, além de ser treinador credenciado pela Exin em módulos de privacidade.

Plínio Higasi

Plínio Higasi

Sócio da área Digital do PK Advogados, Plínio é advogado, palestrante e uma das principais vozes do Direito Digital no Brasil. É Presidente da Digital Rights Association, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Digital em novos modelos de negócio da OAB/SP e já liderou mais de 60 eventos especializados. Mestre em Inteligência Artificial aplicada ao Direito pela PUC-SP e com LLM em Direito e Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, tem especializações pela FGV e PUC-SP em técnicas alternativas de resolução de conflitos. Também é professor, conselheiro de inovação e membro ativo de instituições como OAB/SP, ACSP e Ethics4AI.

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