Entre o compliance e o sigilo: Os limites da regulação da advocacia
A luta contra a lavagem de capitais pode justificar a relativização do sigilo da advocacia e do direito de defesa?
quinta-feira, 27 de novembro de 2025
Atualizado às 13:36
O relatório da ONU e as recomendações ao Brasil
Desde o Tratado de Viena (1988), o Brasil vem assumindo compromissos internacionais de prevenção e repressão à lavagem de capitais. A lei 9.613/98 marcou o início dessa trajetória, complementada pela lei 12.850/13, que trata do enfrentamento ao crime organizado. Entretanto, o recente Relatório da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC 2025) destacou lacunas na regulação das atividades jurídicas e na inclusão dos advogados nos mecanismos de controle e comunicação de operações suspeitas.
O relatório recomenda expressamente que o Brasil 'regule as obrigações dos advogados e demais profissionais jurídicos independentes no que se refere à prevenção da lavagem de dinheiro (art. 14, §1º)'. Essa sugestão, contudo, abre um debate delicado: até que ponto a advocacia pode ser enquadrada como atividade sujeita às mesmas obrigações de reporte impostas a instituições financeiras ou notariais?
O sigilo profissional como direito do cliente
É imprescindível ressaltar que o sigilo profissional do advogado não é apenas prerrogativa da advocacia, mas também um direito fundamental do cliente - especialmente quando envolve fatos que possam incriminá-lo. Essa proteção é pedra angular do Estado Democrático de Direito e da ampla defesa.
O STJ tem reiterado esse entendimento em decisões paradigmáticas:
- A 5ª turma do STJ reafirmou que o advogado não pode firmar colaboração premiada contra o cliente, sob pena de comprometer o direito de defesa e o sigilo profissional. A exceção ocorre apenas quando comprovada a simulação da relação advogado-cliente, hipótese que não pode ser presumida. [Fonte: STJ, 02/01/2025](https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/02012025-Quinta-Turma-reitera-impossibilidade-de-colaboracao-premiada-de-advogado-contra-cliente.aspx)
- Em outra decisão, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca anulou colaboração premiada firmada por advogados contra cliente, reforçando que tal prática viola o sigilo e a confiança essenciais à defesa. [Fonte: ConJur, 02/10/2025](https://www.conjur.com.br/2025-out-02/ministro-do-stj-anula-delacao-feita-por-advogados-contra-cliente/)
- A 5ª turma do STJ também anulou, por unanimidade, delação firmada na Operação Descarte, em que advogados haviam revelado informações de seus clientes. O relator destacou que permitir tal prática fragilizaria o direito de defesa. [Fonte: JuriNews, 2025](https://jurinews.com.br/stj/em-decisao-unanime-stj-anula-delacao-de-advogados-da-operacao-descarte-por-sigilo-profissional-violado)
O papel institucional da OAB e a lei 14.365/22
A Ordem dos Advogados do Brasil, como guardiã das liberdades e da defesa da cidadania, desempenha papel essencial nesse debate. O Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) e a recente lei 14.365/22 reforçam que é vedado ao advogado celebrar colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente - sob pena de sanções disciplinares e criminais. [Fonte: OAB Nacional, 2022](https://www.oab.org.br/noticia/59811/nova-lei-veda-a-colaboracao-premiada-da-advocacia-contra-seus-clientes)
O §6º-I do art. 7º do Estatuto, incluído pela lei 14.365/22, é categórico ao proibir tal conduta, consolidando o entendimento de que o advogado não pode, sob nenhuma hipótese, atuar contra os interesses de seu constituinte. A norma harmoniza-se com o art. 133 da CF/88, que reconhece a advocacia como função indispensável à administração da justiça.
Esse avanço legislativo - fruto do trabalho das comissões da OAB e da mobilização nacional da advocacia - fortalece não apenas o exercício profissional, mas também o próprio sistema de garantias processuais constitucionais. A OAB reafirma, assim, sua vocação histórica de zelar pela legalidade, pela ética e pela independência técnica da defesa.
Entre controle e prerrogativas: O ponto de equilíbrio
As garantias processuais asseguradas pela CF/88 - como o direito à não autoincriminação e o sigilo profissional - constituem salvaguardas indispensáveis à ampla defesa e ao sistema acusatório positivado no art. 3º-A do CPP. Profissões com dever constitucional de defesa não podem ser compelidas a delatar ou incriminar seus próprios representados.
Por outro lado, o art. 2º, §2º, II, da lei 9.613/98 já prevê punição para quem participa de grupo ou escritório voltado à prática criminosa, o que significa que escritórios de advocacia envolvidos diretamente em crimes de lavagem já perdem as prerrogativas da profissão e se sujeitam às investigações cabíveis.
Em conclusão, combater a lavagem de dinheiro é dever de todos, mas preservar o sigilo da advocacia é proteger a própria Justiça.
O equilíbrio entre compliance e prerrogativas deve ser construído com base na Constituição - e não à sua revelia.



