O papel da autocomposição no acesso à justiça: Afetação de REsp no STJ pode mudar o cenário da litigância em massa
O STJ avaliará a exigência de tentativa extrajudicial prévia como requisito do interesse de agir, impactando a litigância de consumo.
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Atualizado às 09:06
O STJ, por maioria, decidiu afetar ao rito dos recursos especiais repetitivos o REsp 2.209.304/MG. A Corte buscará uniformizar a controvérsia acerca da exigência de comprovação da tentativa de solução extrajudicial da controvérsia como condição para a caracterização do interesse de agir em ações de natureza prestacional envolvendo relações de consumo.
A afetação foi aprovada pela Corte Especial, nos termos do art. 1.036 do CPC, sendo determinada, ainda, a suspensão dos recursos especiais ou agravos em recursos especiais que versem sobre a mesma controvérsia.
A origem do recurso está no julgamento do IRDR 91 pelo TJ/MG, que firmou a tese de que o interesse de agir, em ações prestacionais de consumo, estaria condicionado à prévia tentativa de solução extrajudicial. O Tribunal de origem estabeleceu parâmetros objetivos para tal comprovação, elencando expressamente canais como SAC, Procon, agências reguladoras, plataformas públicas e privadas, bem como notificações extrajudiciais.
Além disso, a tese firmada no julgamento do IRDR modulou os seus efeitos, prevendo hipóteses excepcionais em que a exigência poderia ser flexibilizada, como nos casos de iminente perecimento do direito, admitindo, nesses casos, que a tentativa de resolução extrajudicial ocorra após o ajuizamento da ação.
A proposta, embora contestada pelo Ministério Público de Minas Gerais, sob o argumento de ofensa ao Direito Constitucional de acesso à justiça, foi admitida pelo STJ como representativa da controvérsia. A Corte entendeu que se trata de matéria infraconstitucional relacionada ao conceito de interesse processual, cuja análise se insere na competência do Tribunal.
A rigor, a exigência de tentativa prévia de solução extrajudicial não implica, por si só, violação ao acesso à justiça. O próprio ordenamento jurídico processual admite a existência de requisitos para configuração do interesse de agir, desde que razoáveis, proporcionais e compatíveis com a efetividade da tutela jurisdicional.
Sob essa perspectiva, a exigência de tentativa de solução extrajudicial pode ser compreendida como mecanismo de incentivo à autocomposição e de racionalização do sistema de justiça, principalmente em demandas repetitivas e de baixa complexidade.
A relevância do tema em discussão se acentua diante do fato de que, segundo dados do CNJ, atualmente 8 dos 20 maiores litigantes do país são instituições bancárias. Esses dados, disponíveis no painel oficial de litigância do CNJ (https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-litigantes/), evidenciam que o setor bancário figura entre os principais demandados no Judiciário brasileiro. Trata-se, portanto, de segmento diretamente impactado pela judicialização em massa de demandas que, em muitos casos, poderiam ser resolvidas na via administrativa.
O que se verifica é que parcela expressiva dos consumidores ajuíza ações judiciais sem sequer buscar previamente uma solução extrajudicial, revelando um uso muitas vezes instrumental e até predatório do Judiciário. Isso prejudica significativamente as instituições financeiras, que se veem compelidas a mobilizar estrutura técnica e jurídica para responder a milhares de demandas de baixa complexidade, muitas das quais sequer existiriam caso fosse oportunizada uma composição prévia.
Ressalte-se que as instituições financeiras, em muitos casos, possuem interesse concreto na resolução administrativa de conflitos, especialmente quando envolvem falhas operacionais ou cobranças indevidas. A exigência de tentativa prévia de autocomposição, nesse contexto, além de juridicamente justificável, pode representar um mecanismo eficaz de filtragem da litigância excessiva.
Portanto, a definição, pelo STJ, sobre essa exigência como condição ao reconhecimento do interesse de agir, tende a produzir impacto direto na redução do ajuizamento de ações repetitivas e na racionalização da atividade jurisdicional, especialmente no que se refere ao setor bancário, um dos mais demandados no país.
Marina Rocha Farias
Head da área de Resolução de Conflitos do FAS Advogados.
Felipe Vilela Ramalho
Advogado da área de direito do Consumidor do FAS Advogados



