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Requisitos da usucapião e a possibilidade de pleito por herdeiros

A usucapião exige posse prolongada com animus domini, e o STJ admite que herdeiro usucapir imóvel da herança se cumprir os requisitos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Atualizado às 10:40

1 Resumo

A usucapião é um modo de aquisição da propriedade que exige posse prolongada, contínua e com animus domini. O STJ já reconheceu que até mesmo um herdeiro pode pleitear usucapião extraordinária sobre imóvel objeto de herança, desde que preenchidos os requisitos legais.

2 Introdução

A usucapião, como forma originária de aquisição da propriedade fundada na posse prolongada e qualificada, distingue-se da aquisição derivada por operar de modo autônomo e conferir ao possuidor um título novo e independente, desvinculado de vícios ou irregularidades anteriores.

A usucapião, além de garantir estabilidade às relações jurídicas, concretiza a função social da propriedade ao evitar que bens permaneçam sem destinação útil ou em litígio indefinido, revelando uma relevância que transcende o aspecto patrimonial por estar vinculada à pacificação social e à valorização da posse como elemento constitutivo da propriedade.

Como observa Maria Helena Diniz (2025), a usucapião não se limita a constituir um simples modo de aquisição da propriedade; trata-se, sobretudo, de um instrumento de justiça social, destinado a legitimar situações fáticas consolidadas pelo decurso do tempo e pela prática contínua da posse, conferindo-lhes reconhecimento jurídico e estabilidade.

Nesse contexto, o STJ, em decisão proferida no REsp 1.840.561/SP, consolidou entendimento de que o herdeiro pode pleitear usucapião extraordinária sobre imóvel integrante de herança, desde que preenchidos os requisitos previstos no CC.

O julgado rompeu com a visão tradicional de que a usucapião seria restrita a terceiros estranhos à sucessão, reconhecendo que o instituto pode ser invocado por quem já integra a relação hereditária, desde que haja posse exclusiva, prolongada e com animus domini.

O STJ, em sua jurisprudência consolidada, já firmou a ratio decidendi de que a mera existência de condomínio ou de herança indivisa não constitui impedimento absoluto ao reconhecimento da usucapião. O Tribunal tem reiterado que, para a configuração da aquisição originária da propriedade, é imprescindível que o possuidor demonstre o exercício da posse com exclusividade, continuidade e animus domini, afastando-se a hipótese de mera co-posse tolerada.

Anteriormente, a Corte Superior, ao julgar o REsp 1.909.276/SP e outros precedentes, já havia consolidado o entendimento de que a inércia dos demais co-herdeiros ou condôminos em reivindicar seus direitos constitui elemento determinante para a caracterização da posse qualificada, legitimando o pleito de usucapião e reafirmando que a indivisão patrimonial não inviabiliza, por si só, a aquisição originária da propriedade.

Do ponto de vista dogmático, a orientação do STJ representa uma evolução interpretativa ao admitir a usucapião em contextos de condomínio hereditário ou convencional, desde que preenchidos os requisitos legais, harmonizando o direito sucessório com o direito de propriedade e reforçando a função social da posse e da propriedade ao atribuir titularidade plena a quem efetivamente exerce domínio exclusivo sobre o bem.

Esse posicionamento do STJ representa um avanço interpretativo ao ampliar a aplicação da usucapião ao contexto sucessório, harmonizando o direito das sucessões com o direito de propriedade e reconhecendo que, embora o imóvel integre o espólio após a abertura da sucessão, é possível que um herdeiro exerça posse exclusiva e inequívoca, afastando a mera co-posse tolerada.

Como ressaltam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2025), a usucapião mostra-se passível de reconhecimento também em hipóteses de condomínio, desde que se comprove o exercício da posse de forma exclusiva e com animus domini, circunstância que afasta a mera detenção conjunta ou a co-posse tolerada.

Assim, a decisão reafirma que a usucapião não se limita a regularizar situações de terceiros, mas também pode ser instrumento de justiça dentro da própria família, conferindo propriedade plena ao herdeiro que, de fato, administra, conserva e utiliza o imóvel de forma exclusiva.

3 Fundamentos legais

O instituto da usucapião, previsto no art. 1.238 do CC, configura forma tradicional de aquisição originária da propriedade caracterizada pela independência de título anterior e pela dispensa da comprovação de boa-fé, permitindo que aquele que possuir imóvel por 15 anos, de modo contínuo, pacífico e com animus domini, adquira-lhe a propriedade.

A exigência de posse prolongada e qualificada revela a preocupação do ordenamento jurídico em consolidar situações fáticas duradouras e evitar a insegurança decorrente da ausência de titularidade formal, de modo que, conforme Maria Helena Diniz (2025), a usucapião se configura como modo originário de aquisição da propriedade cuja função primordial é legitimar a posse consolidada ao longo do tempo e convertê-la em direito real plenamente reconhecido.

O prazo geral de 15 anos para a usucapião extraordinária pode ser reduzido para 10 anos quando o possuidor estabelece moradia habitual ou realiza obras de caráter produtivo, evidenciando a opção política do legislador em privilegiar o cumprimento da função social da propriedade, seja como espaço de habitação ou como instrumento de produção econômica.

A Constituição Federal, ao consagrar no art. 5º, XXIII, o princípio da função social da propriedade, encontra na usucapião extraordinária um dos mecanismos mais eficazes de concretização desse mandamento, de modo que a redução do prazo traduz a intenção do legislador em valorizar o possuidor que confere ao imóvel destinação socialmente relevante, seja como moradia ou instrumento de produção econômica, afastando o uso meramente especulativo da propriedade.

A usucapião extraordinária distingue-se das demais modalidades por sua simplicidade e objetividade, ao dispensar justo título e boa-fé, bastando a posse qualificada pelo tempo e pelo animus domini, característica que amplia seu alcance e reforça sua função social ao permitir o reconhecimento jurídico de situações consolidadas mesmo sem documentação formal ou origem regular da posse.

A disciplina da usucapião extraordinária prevista no art. 1.238 do CC não apenas regula uma forma de aquisição da propriedade, mas também incorpora valores constitucionais e sociais ao premiar o possuidor que confere ao imóvel uma destinação adequada e prolongada, sendo a redução do prazo para 10 anos, nas hipóteses de moradia ou produção, expressão da opção legislativa de reafirmar a função social como princípio estruturante do direito de propriedade no Brasil.

4 Requisitos essenciais

A usucapião extraordinária demanda o preenchimento simultâneo de requisitos objetivos e subjetivos, cuja análise conjunta é indispensável para a aquisição da propriedade, configurando-se como modalidade que privilegia a posse prolongada e qualificada, dispensando justo título e boa-fé, mas impondo exigências rigorosas quanto à natureza e à qualidade da posse exercida.

O primeiro requisito da usucapião é a posse contínua e ininterrupta, que pressupõe o exercício constante e estável do domínio sobre o bem sem abandono ou interrupções capazes de descaracterizar a relação possessória, evidenciando a intenção do possuidor em consolidar sua vinculação com o imóvel e afastando hipóteses de mera ocupação eventual ou precária.

A posse pacífica, caracterizada pela ausência de contestação judicial ou oposição efetiva, constitui requisito essencial da usucapião extraordinária, pois demonstra o exercício socialmente reconhecido do domínio e reforça a estabilidade da situação fática que demanda regularização jurídica.

O animus domini exige a inequívoca intenção de agir como proprietário, de modo que não basta a mera detenção ou tolerância, sendo necessário que o possuidor realize atos de administração, conservação e utilização do bem como verdadeiro titular do direito de propriedade.

Conforme destaca Silvio de Salvo Venosa (2003), a posse deve ser inequívoca e exclusiva, não se confundindo com simples detenção ou tolerância, e sua compreensão envolve tanto a aquisição da coisa por usucapião quanto a disciplina dos frutos e benfeitorias, evidenciando que a defesa da posse prescinde da boa-fé prevista no art. 1.201 do CC.

O requisito temporal da usucapião extraordinária estabelece prazo legal de 15 anos, reduzido para 10 nas hipóteses de moradia habitual ou realização de obras produtivas, refletindo a preocupação do legislador em consolidar situações fáticas duradouras e impedir que ocupações recentes ou instáveis sejam legitimadas como propriedade.

A redução do prazo na usucapião extraordinária evidencia a valorização da função social da propriedade ao premiar o possuidor que confere ao imóvel destinação útil, seja como moradia ou instrumento de produção, e, conforme Maria Helena Diniz, trata-se de modo de aquisição fundado na posse prolongada e qualificada, marcada pela intenção de dono e pela ausência de oposição, definição que sintetiza sua essência ao transformar a posse consolidada em propriedade plena e legitimar situações duradouras que atendem à função social.

Assim, a usucapião extraordinária transcende sua natureza técnica de aquisição da propriedade ao se afirmar como instrumento de justiça social e pacificação das relações jurídicas, pois, ao exigir posse contínua, pacífica, com animus domini e pelo prazo legal, assegura que apenas situações consolidadas e socialmente relevantes sejam reconhecidas como propriedade, prevenindo abusos e garantindo o cumprimento da função social do bem.

5 A situação do herdeiro

O núcleo da decisão do STJ está na possibilidade de o herdeiro invocar a usucapião extraordinária, ainda que, tradicionalmente, após a abertura da sucessão, os bens do falecido integrem o espólio e sejam titularizados em condomínio por todos os herdeiros até a partilha.

Nesse contexto, cada herdeiro possui apenas uma fração ideal do patrimônio, sem domínio exclusivo sobre bem determinado, de modo que a indivisão sucessória configura uma situação de co-posse em que todos compartilham, em tese, o direito de uso e fruição dos bens.

O STJ reconheceu que o herdeiro que exerce posse exclusiva, prolongada e com animus domini, sem oposição dos demais, pode preencher os requisitos da usucapião extraordinária, interpretação que rompe com a visão tradicional de sua restrição a terceiros e amplia sua aplicação às situações internas do condomínio hereditário.

A usucapião mostra-se possível mesmo em contextos de condomínio, desde que comprovado o exercício da posse exclusiva e com animus domini, circunstância que afasta a mera co-posse ou detenção tolerada, de modo que não basta ao herdeiro residir ou utilizar o imóvel em conjunto com os demais, sendo necessário que sua posse seja inequívoca, ostensiva e exclusiva, revelando a intenção de excluir os outros sucessores da utilização do bem.

O requisito do animus domini é essencial para diferenciar a posse qualificada da mera ocupação física, pois a simples permanência no imóvel não basta para caracterizar usucapião, sendo necessário que o herdeiro pratique atos típicos de domínio, como realizar benfeitorias, impedir o acesso dos demais, pagar tributos e assumir integralmente a administração do bem, condutas que evidenciam a intenção de proprietário e afastam a mera tolerância ou co-posse.

A decisão do STJ possui relevância prática, ao permitir que herdeiros que assumem efetivamente a responsabilidade pelo imóvel regularizem sua situação jurídica e evitem litígios prolongados no inventário, e teórica, ao reafirmar a função social da propriedade e a centralidade da posse qualificada como elemento legitimador da aquisição originária.

Em síntese, o entendimento do STJ consolida a ideia de que a usucapião não é apenas um mecanismo voltado a terceiros, mas também pode ser instrumento de justiça dentro da própria família, conferindo propriedade plena ao herdeiro que, de fato, se comporta como verdadeiro titular do bem.

6 Conclusão

A análise da jurisprudência do STJ evidencia que a usucapião, especialmente em contextos sucessórios e de condomínio, transcende sua dimensão técnica de aquisição originária da propriedade para se afirmar como verdadeiro instrumento de pacificação social e de concretização da função social da propriedade.

Ao reconhecer que o herdeiro pode pleitear a usucapião extraordinária quando exerce posse exclusiva, contínua e com animus domini, o STJ promove uma evolução interpretativa que harmoniza o direito sucessório com o direito de propriedade, evitando litígios intermináveis e legitimando situações fáticas duradouras.

Nesse sentido, a usucapião não apenas assegura estabilidade às relações patrimoniais, mas também valoriza o possuidor que confere ao imóvel destinação útil, seja como moradia ou como meio de produção, afastando o uso meramente especulativo da propriedade.

Assim, o instituto reafirma sua relevância como mecanismo de justiça social, capaz de transformar a posse consolidada em propriedade plena e de efetivar os princípios constitucionais que regem a função social da propriedade, consolidando-se como um dos pilares do direito civil contemporâneo.

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Referências bibliográficas

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direitos Reais. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Jur, 2025. v. 4.

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VENOSA, S. S. Código Civil Comentado. Vol. XII. São Paulo: Atlas, 2003.

Edilson Santos da Rocha

VIP Edilson Santos da Rocha

Sócio Administrador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia - Especializado em Direito Imobiliário e Sócio Administrador na Empresa Domínio Legal Soluções Imobiliárias

Debora Cristina de Castro da Rocha

VIP Debora Cristina de Castro da Rocha

Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado em Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial, Professora, Jornalista e Apresentadora de TV.

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