Não há incidência do IPI na transferência de salvados à seguradora
A isenção de IPI para pessoas com deficiência é discutida à luz de acidentes com perda total, destacando que o STJ afasta a cobrança por ausência de lucro.
terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Atualizado em 1 de dezembro de 2025 16:14
Para o entendimento da tese exposta no título deste artigo é preciso examinar a lei 8.989/95 que prevê a isenção do IPI na venda de veículos para taxistas, cooperativas de taxi e pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda, além de pessoas com transtorno do espectro autista, assim como seus responsáveis legais.
Em que pese a boa intenção do legislador pela inclusão social das pessoas acima mencionadas penso, com a devida vênia, que isentar do IPI a venda de veículos a pessoas com deficiência visual e auditiva e mental severa ou profunda causa riscos à sociedade pelo perigo de acidentes, às vezes, fatais que essas pessoas podem provocar no tumultuado trânsito das metrópoles.
Essas pessoas não enxergam suficientemente os sinais de trânsito, as setas de veículos à sua frente, nem ouvem de forma eficiente as buzinas de advertências, nem têm reflexos suficientes para evitar as trombadas.
Por isso, penso que essa lei, sob comento, busca favorecer os responsáveis legais das pessoas deficientes que, na realidade, utilizam os veículos adquiridos com isenção do IPI.
Feitas essas considerações examinemos os dispositivos da lei 8.989/95 com alterações posteriores que regem a matéria.
Prescreve o art. 1º:
Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³ (dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por: (Redação dada pela Lei nº 13.755, de 2018)
[...]
V - pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; (Redação dada pela Lei nº 14.287, de 2021) (Vide Decreto nº 11.063, de 2022)
Por sua vez, prescreve o art. 6º:
Art. 6º A alienação do veículo adquirido nos termos desta Lei que ocorrer no período de 2 (dois) anos, contado da data de sua aquisição, a pessoas que não satisfaçam as condições e os requisitos estabelecidos para a fruição da isenção acarretará o pagamento pelo alienante do tributo dispensado, atualizado na forma prevista na legislação tributária. (Redação dada pela Lei nº 14.183, de 2021)
Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo sujeita ainda o alienante ao pagamento de multa e juros moratórios previstos na legislação em vigor para a hipótese de fraude ou falta de pagamento do imposto devido.
Nos termos do art. 6º dessa lei, se o veículo for revendido em até dois anos, a contar da data de sua aquisição, haverá incidência do IPI. É medida salutar que impede queos compradores se aproveitem da isenção com o fito de obter lucros na revenda do veículo.
E aqui surge a questão crucial de saber se é aplicável a regra desse art. 6º na hipótese de o veículo acidentado, que resulte em perda total, ser transferido à seguradora a título de "salvados".
O entendimento do TRF-3 firmou forte jurisprudência pela intributabilidade nesses casos por não haver intuito lucrativo nessa peculiar "revenda".
De fato, o IPI é um imposto de natureza mercantil.
Mas, para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional "a seguradora recupera o veículo e o integra ao seu patrimônio para posterior venda a terceiros, hipótese em que deve ser recolhido o imposto dispensado quando da aquisição do veículo, com os devidos acréscimos legais".
Contudo, a 1ª e a 2ª turma do STJ, AResp 2.849.743 e AResp 2.694.218, respectivamente, decidiram pela não incidência do IPI.
As decisões das duas turmas do STJ sustentam que não é possível penalizar o contribuinte beneficiário, nem a seguradora com a perda da isenção fiscal, porque "nessa relação não há intenção de lucro, e o evento que ocasionou a perda total do veículo foi alheio à vontade das partes".
Corretas e incensuráveis as decisões das 1ª e 2ª turmas do STJ devido à natureza mercantil do IPI que impede a incidência desse imposto onde não haja intuito lucrativo na operação.
De fato, no caso, não há revenda voluntária do veículo sinistrado, mas sim uma revenda "forçada" do "salvado", o que coloca essa "revenda" fora do campo de incidência do IPI.
Em outras palavras, nessa revenda não há qualquer "intenção de utilizar a legislação tributária para fins de enriquecimento indevido" na feliz argumentação do ministro Afrânio Vilela da 2ª turma do STJ.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.


