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Controle e limitação da liberdade de expressão: Julgamento da ADPF 130 e a vedação à censura

A ADPF 130 marcou a afirmação da liberdade de expressão no Brasil, ao afastar a lei de imprensa e reafirmar a vedação à censura como pilar democrático.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Atualizado às 16:05

1. Introdução

O Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, estrutura-se sob a égide da CF/88, que consagra um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, impondo ao Estado o dever de respeitá-los e efetivá-los.

Nesse contexto, o art. 5º da Carta Magna assume posição nuclear, por disciplinar direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, dentre os quais se destaca o direito fundamental à liberdade.

Os incisos IV, IX e XIV do mencionado artigo asseguram a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão da atividade de comunicação, vedando, de forma categórica, qualquer espécie de censura prévia.

Em consonância com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito, a Constituição da República estabelece parâmetros que garantem o pleno desenvolvimento do indivíduo - tanto em sua esfera privada quanto na dimensão social - assegurando-lhe autonomia para exteriorizar suas convicções, ideias e opiniões, seja de modo individual, seja como integrante de grupos ou coletividades.

Esse entendimento harmoniza-se com os parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, especialmente o art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que consagra o direito à liberdade de opinião e expressão, abrangendo o direito de buscar, receber e difundir informações e ideias por quaisquer meios e sem interferências.

No âmbito específico da comunicação social, a CF/88 dedica-lhe um capítulo próprio (Título VIII, Capítulo V), reconhecendo a essencialidade da imprensa livre para o regime democrático, e atribuindo-lhe a função de fiscalizar, informar e pluralizar o debate público, constituindo-se em instrumento de controle social e de promoção da transparência estatal.

O art. 220 da CF/88 representa a culminância dessa proteção normativa, ao proclamar a plena liberdade de informação jornalística e ao proibir a criação de mecanismos de controle ou censura. O texto constitucional equipara a liberdade de imprensa à liberdade de pensamento, criação, expressão e informação, tutelando-as como pilares estruturantes da ordem democrática.

A proteção a esse conjunto de liberdades assume posição central na República, pois, de um lado, garante o pluralismo e a livre circulação de ideias e, de outro, possibilita ao cidadão formar o seu próprio juízo crítico sobre os fatos públicos e privados que o cercam. A imprensa, nesse contexto, exerce papel indispensável à formação da consciência democrática e à efetivação do direito fundamental à informação.

Cabe ressaltar, ainda, que tais direitos de liberdade qualificam-se como bens da personalidade, revestindo-se de natureza de sobredireitos, de modo que, na colisão entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada), tende a prevalecer, a priori, o direito à livre informação jornalística, ressalvadas hipóteses de abuso ou desvio de finalidade.

Não obstante as garantias constitucionais, até o advento do julgamento da ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, o ordenamento jurídico brasileiro ainda convivia com resquícios autoritários, materializados na lei de imprensa (lei 5.250/1967) - diploma editado sob o regime militar, que impunha limitações incompatíveis com o Estado Democrático de Direito e permitia, na prática, a censura estatal.

Diante dessa dissonância normativa, coube ao STF, no julgamento da ADPF 130, restaurar a supremacia dos princípios democráticos e afirmar, de forma inequívoca, a vedação à censura, reafirmando o caráter inviolável da liberdade de expressão e de imprensa como corolários da democracia constitucional brasileira.

2. O julgamento da ADPF 130 como decisão paradigma à vedação à censura

A ADPF 130, ajuizada em 2008 pelo PDT - Partido Democrático Trabalhista, teve por objeto a declaração de não recepção integral da lei 5.250/1967 (lei de imprensa) pela CF/88.

Referida lei, concebida durante o regime autoritário, regulamentava a liberdade de manifestação e de informação, mas estabelecia limitações severas, inclusive prevendo hipóteses de censura prévia e sanções penais e civis desproporcionais. Tal estrutura normativa, por sua própria origem e conteúdo, revelava-se inconciliável com os postulados democráticos e com o princípio da liberdade de expressão consagrados na Constituição Cidadã.

Na petição inicial, o PDT sustentou a incompatibilidade material da lei de imprensa com o art. 220, §1º, da CF/88, o qual determina que nenhuma lei conterá dispositivo que constitua embaraço à plena liberdade de informação jornalística, observados os direitos fundamentais constitucionais previstos no art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV.

Em sessão plenária realizada em 30/4/09, o STF, por maioria, declarou a não recepção integral da lei 5.250/67, por violar frontalmente os preceitos constitucionais da liberdade de imprensa e de expressão, bem como por permitir a censura prévia e restringir indevidamente a atuação dos meios de comunicação.

O voto condutor, proferido pelo ministro Carlos Ayres Britto, destacou que o regime jurídico-constitucional da imprensa brasileira deve guardar plena conformidade com o papel essencial que esta exerce como plexo de atividades comunicacionais e como instituição vocacionada à concretização do princípio democrático.

O ministro relator afirmou que a imprensa, além de ser uma atividade profissional, constitui uma instituição social indispensável à concretização do pluralismo político e à manutenção da esfera pública de debate, funcionando como canal de fiscalização e crítica do poder estatal. Nessa testilha, democracia e imprensa livre seriam "irmãs siamesas", mutuamente dependentes e retroalimentadoras.

A decisão consagrou o entendimento de que a liberdade de imprensa deve ser plena e irredutível, sendo vedada qualquer forma de controle ou restrição prévia, salvo em hipóteses excepcionalíssimas previstas em estado de sítio, conforme rigorosos parâmetros legais.

Não obstante, o STF advertiu acerca da possibilidade de eventuais casos de responsabilização civil por danos morais e materiais, de forma que a vedação da censura decorrente do texto constitucional não impede o controle pelo Poder Judiciário da manifestação do pensamento em casos de lesão ou ameaça à lesão àqueles valores constitucionais merecedores da mesma tutela jurídica constitucional.

Tendo em vista que a excessividade indenizatória foi considerada como poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade, instruiu-se que cada caso deverá ser individualmente analisado, operando no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido, especialmente quando se tratar de críticas dirigidas a agentes públicos, que, por força do princípio republicano, se submetem a um grau maior de escrutínio social.

Vale dizer: sempre que houver mitigação da liberdade de expressão, impõe-se exame rigoroso e minudente de proporcionalidade, de modo a que o julgador fundamente se a restrição pontual encontra, de fato, amparo nos valores plurais e estruturantes da democracia brasileira.

Entretanto, ainda que a Suprema Corte nacional tenha reconhecido a necessidade de se observar o binômio liberdade e responsabilidade, não foram estabelecidos critérios normativos ou diretrizes jurisprudenciais capazes de delinear um regime específico de responsabilidade civil aplicável aos órgãos de imprensa. Em razão dessa lacuna, o Poder Judiciário permanece diante de frequentes incertezas quanto à orientação interpretativa a ser adotada em cada caso concreto, sobretudo quando se trata da responsabilização da imprensa por publicações que envolvem críticas a agentes públicos.

Tal indeterminação hermenêutica tem dado ensejo a divergências decisórias e à multiplicação de reclamações constitucionais submetidas ao STF, nas quais se alegam violações à autoridade do precedente firmado na ADPF 130, em virtude de decisões judiciais que, a pretexto de coibir abusos, acabam por impor restrições indevidas à liberdade de expressão e de imprensa, em contrariedade aos parâmetros constitucionais consolidados pela Corte.

Por estas razões, compete ao STF, como guardião da constituição, delimitar ainda mais os parâmetros ensejadores da responsabilização civil de veículos de comunicação, ante a publicação de matérias jornalísticas, de forma que, eventual condenação, enseje a proteção dos direitos personalíssimos e da vida privada e, concomitantemente, demonstre fundamentalmente como eventuais excessos ultrapassam os limites estabelecidos constitucionalmente aos direito de informação e - principalmente - divergem da incidência de qualquer tipo de censura.

_________________________

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130/DF. Relator: Ministro Ayres Britto. Julgamento em 30 abr. 2009. Diário da Justiça, 06 nov. 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Hu- manos. Disponível em: < https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal- dos-direitos-humanos>. Acesso em: 05 nov. 2025.

BASILIO, Irís Cintra; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. STF - Arguição de Des- cumprimento de Preceito Fundamental 130/DF - Comentário. Revista de Di- reito Civil Contemporâneo, v. 19, ano 6, p. 417-433, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 2019.

SILVA, Christina Peter da. Da ADPF 130 ao RE 1075412: caminhos da liber- dade de imprensa nos precedentes do STF. Jota, [s. l.], Disponível em:  Acesso em: 05 nov. 2025.

MACHADO, Natália Paes Leme. A "Plena" Liberdade de Expressão e os Direitos Humanos: Análise da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Hu- manos e o Julgamento da ADPF 130. Centro Universitário de Brasília (Uni- ceub). Artigo disponível na Revista de Direito Internacional. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/2639. Acesso em: 05 nov. 2025.

ENCARNAÇÃO, Paulo Faria da. Liberdade de imprensa e censura judicial: o eco vivo da ADPF 130. A Gazeta, [s. l.], Disponível em: https://www.aga- zeta.com.br/artigos/liberdade-de-imprensa-e-censura-judicial-o-eco-vivo-da- adpf-130-1025. Acesso em: 05 nov. 2025.

JÚNIOR, Edilson Pereira Nobre. Liberdade de Expressão Versus Direitos da Personalidade. Revista CEJ, Brasília, Ano XIII, n. 45, p. 4-13, abr./jun. 2009.

Mirella Duailibe

Mirella Duailibe

Advogada no escritório Aragão e Tomaz Advogados Associados, graduada pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e pós-graduada em Regulação e Agências Reguladoras, bem como em Direito Público, pelo Gran Centro Universitário.

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