Comportamento reativo: Como o modelo mental de "ganhar processo" impede o acesso à Justiça
Judicialização virou resposta imediata a qualquer conflito, distorcendo o acesso à Justiça e sobrecarregando o Judiciário, que perde foco nos casos realmente urgentes.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Atualizado em 3 de dezembro de 2025 13:35
O acesso à Justiça é uma das maiores conquistas da Constituição de 1988. Mas o que nasceu como um direito de transformação social vem sendo gradualmente distorcido pelo uso reativo e impulsivo do processo judicial.
Hoje, a judicialização tornou-se a primeira resposta a qualquer desconforto - um débito não compreendido, um desconto inesperado, uma cláusula mal interpretada. O processo, que deveria ser a última via, passou a ser o primeiro impulso emocional. E o Judiciário, sobrecarregado, transformou-se no espaço onde se busca compensação, e não compreensão. Por trás dessa avalanche de ações, há um traço cultural mais profundo: a crença de que o processo judicial é uma nova forma de redistribuição de renda.
O litígio passou a ser visto não apenas como busca por reparação, mas como um instrumento de compensação financeira, em que o mais forte deve "pagar" - ainda que sem culpa - para equilibrar a balança simbólica da desigualdade. Essa lógica transforma o Judiciário em um espaço de redistribuição informal de recursos, onde a sensação de justiça se confunde com o recebimento de valores. E, nesse movimento, o direito perde sua função de resolver conflitos para assumir o papel de corretor de assimetrias sociais.
Mas há um custo invisível nesse modelo. Cada ação desnecessária ocupa o tempo, o orçamento e a energia de uma estrutura já sobrecarregada, retirando espaço de quem realmente precisa da tutela judicial. Enquanto milhares de demandas repetitivas disputam atenção, os conflitos legítimos - aqueles que envolvem vulnerabilidade, violação de direitos fundamentais e urgência social - ficam à espera.
A reatividade de uns compromete a efetividade de todos.
Garantir o acesso à Justiça não é estimular a litigância impensada, mas promover maturidade social e institucional. Isso significa educar o cidadão para compreender seus direitos e deveres, e fortalecer as instituições para oferecer canais claros de solução antes da judicialização.
O verdadeiro exercício da cidadania não está em judicializar o conflito, mas em saber quando e como fazê-lo. O acesso à Justiça, afinal, não se mede pelo número de ações, mas pela qualidade das respostas que o sistema é capaz de oferecer.
Enquanto a cultura do "ganhar processo" dominar o comportamento coletivo, continuaremos confundindo justiça com oportunidade e equidade com indenização. É hora de resgatar o sentido original do processo judicial: instrumento de equilíbrio, e não de vingança; via de aprendizado, e não de renda.
Viviane Ferreira
Sócia - Diretora jurídica de Excelência e experiência do cliente do Parada Advogados. Mestranda no IDP-Brasília.


