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STF e rol da ANS: Quando ainda é possível obter judicialmente tratamentos fora do rol

STF fixou critérios rígidos na ADIn 7.265: Tratamentos fora do rol da ANS só podem ser concedidos com evidências robustas, ausência de alternativas e registro na Anvisa.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Atualizado às 15:08

A partir da recente publicação do acórdão da ADIn 7.265, que ocorreu em 2/12/25, o STF redesenhou, com precisão, os limites da intervenção judicial sobre o rol de procedimentos da ANS e sobre a própria lei 9.656/98, na redação dada pela lei 14.454/22. Na prática, passou a existir um "roteiro obrigatório" para o juiz e para o advogado que pretendem discutir cobertura de medicamentos e tratamentos fora do rol.

Como advogados atuantes na defesa do direito à saúde, precisávamos de uma definição clara sobre a validade da lei 14.454/22, que alterou a lei dos planos de saúde (lei 9.656/98) para permitir a cobertura de tratamentos não listados pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. O STF, em uma decisão considerada por equilibrada por alguns especialistas, e criticada por outros, manteve a constitucionalidade da lei 14.454/22, mas estabeleceu requisitos rigorosos e cumulativos para o custeio dessas terapias. A tese fixada pelo STF abandonou a discussão simplista entre rol taxativo ou exemplificativo, e focou na MBE - Medicina Baseada em Evidências como fiel da balança.

A seguir, explico de forma direta, o que exatamente o STF decidiu e quais são os requisitos cumulativos que precisam ser demonstrados para viabilizar judicialmente um tratamento não contemplado pela lista da ANS.

A regra geral: Rol da ANS como parâmetro obrigatório, com exceção estreita

O STF assentou que, como regra, apenas os procedimentos e tratamentos previstos no rol da ANS podem ser exigidos das operadoras de planos de saúde. O rol passa a ser tratado como "regra de ouro" da saúde suplementar, preservando a lógica do mutualismo, da previsibilidade contratual e da regulação técnica pela ANS. A concessão judicial de tratamentos não constantes do rol foi mantida como válvula de escape estrita, destinada a proteger o direito fundamental à saúde em cenários em que a regulação não oferece resposta adequada, desde que observados todos os requisitos fixados pelo Tribunal.

Nesse contexto, o STF fixou tese no sentido de que é constitucional impor legalmente a cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol, desde que respeitados os parâmetros estabelecidos no próprio acórdão. Ou seja, não se trata de retorno à ideia de rol meramente exemplificativo, tampouco de taxatividade absoluta: o rol é a regra; a exceção é possível, mas juridicamente condicionada.

Os cinco requisitos cumulativos para concessão de tratamento fora do rol

O núcleo da decisão está na enumeração de cinco requisitos que devem ser atendidos de forma cumulativa para que se possa exigir judicialmente a cobertura de medicamento ou tratamento não incluído no rol da ANS.

O STF determinou que, em caso de tratamento ou procedimento fora do rol, a operadora deverá autorizar a cobertura somente se presentes, ao mesmo tempo: (i) prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado; (ii) inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol (PAR); (iii) ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente dentro do rol; (iv) comprovação de eficácia e segurança do tratamento com base em medicina baseada em evidências de alto grau ou ATS, respaldadas por evidências científicas de alto nível; e (v) existência de registro na Anvisa.

Na prática, o primeiro requisito afasta prescrições frágeis ou meramente opinativas: exige-se relatório fundamentado, de profissional habilitado, que acompanhe o paciente.

O segundo requisito obriga a considerar a atuação regulatória prévia da ANS. Se o tratamento estiver em análise formal em processo de atualização do rol, o magistrado não pode substituir o juízo técnico da agência, devendo aguardar o desfecho do PAR, nos prazos legais. Se a ANS já tiver analisado e rejeitado a tecnologia, o Judiciário não pode funcionar como instância recursal técnica, salvo diante de ilegalidade manifesta do ato administrativo. Apenas quando o procedimento jamais foi examinado pela ANS é que se abre, em tese, espaço para atuação judicial, desde que os demais requisitos também sejam cumpridos.

O terceiro requisito reforça a prioridade do rol: se existir tratamento adequado e satisfatório já previsto na listagem da ANS, não cabe ao beneficiário exigir outro procedimento apenas por preferência pessoal ou por ser supostamente mais moderno ou conveniente. A intervenção judicial só se justifica quando não há, dentro do rol, alternativa terapêutica que efetivamente responda à condição clínica do paciente.

O quarto requisito é o filtro científico mais rigoroso. O STF exige que a eficácia e a segurança do tratamento pretendido sejam demonstradas à luz da medicina baseada em evidências de alto grau, com apoio em ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas, meta-análises ou avaliações de tecnologia em saúde que atendam a esse padrão. Estudos observacionais isolados, relatos de caso ou simples opiniões de especialistas, desacompanhados de evidência robusta, não são suficientes para preencher esse patamar. Com isso, o Tribunal aproxima a saúde suplementar da mesma racionalidade aplicada ao SUS, evitando que o Judiciário imponha terapias experimentais ou de baixa comprovação científica.

Por fim, o quinto requisito exige que o medicamento ou a tecnologia em discussão possua registro vigente na Anvisa. Reafirma-se, assim, a linha já consolidada em precedentes de repercussão geral: a atuação judicial não pode substituir a competência técnica da autoridade sanitária para avaliar segurança e eficácia mínimas, sendo, em regra, inviável impor o fornecimento de produtos sem registro ou marcadamente experimentais na saúde suplementar.

A consequência da ausência no rol: Impedimento como regra, exceção condicionada

A partir desses critérios, o STF foi expresso ao afirmar que a ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial. Essa vedação, todavia, admite exceção quando o autor consegue demonstrar, de forma adequada e nos termos do art. 373 do CPC, o preenchimento de todos os requisitos cumulativos descritos acima. Nesses casos, o juiz pode impor à operadora a cobertura do tratamento fora do rol, sem desnaturar a função normativa da ANS e sem transformar o Judiciário em instância de incorporação paralela de tecnologias em saúde.

Isso significa que o modelo anterior de judicialização, muitas vezes baseado apenas na gravidade do quadro clínico e no relatório do médico assistente, é sensivelmente restringido. A tese aprovada exige uma abordagem probatória mais densa, estruturada em evidências científicas, diálogo com a regulação e demonstração clara de que o caso concreto se enquadra na hipótese excepcional admitida pelo Supremo.

Deveres processuais do Judiciário e risco de nulidade da decisão

O acórdão não se limitou a indicar requisitos materiais; ele também estabeleceu um protocolo obrigatório para a atuação judicial. Sob pena de nulidade, com fundamento nos arts. 489, §1º, V e VI, e 927, §1º, III, do CPC, o Poder Judiciário, ao apreciar pedidos de cobertura de procedimentos ou tratamentos não incluídos no rol, deve necessariamente: verificar a existência de prévio requerimento administrativo à operadora, com negativa, mora irrazoável ou omissão; analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação, sem reexaminar o mérito técnico-administrativo; aferir a presença dos requisitos cumulativos com base em consulta prévia ao NATJUS ou a órgãos ou especialistas com expertise em medicina baseada em evidências; e, em caso de deferimento, oficiar a ANS para avaliar a eventual inclusão da tecnologia no rol.

Esse desenho processual reforça que o laudo do médico assistente, por si só, não basta como fundamento exclusivo da decisão. O juiz passa a ter o dever de apoiar-se em parecer técnico estruturado, preferencialmente emitido pelo NATJUS, o que representa uma mudança relevante na forma como, até então, muitas decisões eram proferidas em plantões e tutelas de urgência. Também há um claro esforço de harmonização entre decisões individuais e a regulação setorial, evitando que ordens judiciais pontuais desestruturem a política pública construída pela ANS.

Repercussões práticas para a advocacia em Direito da Saúde

Para o advogado que atua em Direito da Saúde, especialmente em demandas contra planos de saúde, a ADIn 7.265 impõe ajuste de rota. A elaboração da petição inicial em casos de medicamento ou tratamento fora do rol passa a exigir: narrativa clara da tentativa prévia de resolução administrativa, com juntada da negativa formal ou demonstração de mora; prova de que não há alternativa terapêutica adequada contemplada no rol; documentação robusta de evidências científicas de alto nível sobre eficácia e segurança; comprovação do registro na Anvisa; e, sempre que possível, diálogo antecipado com notas técnicas do NATJUS ou de órgãos especializados em ATS.

Ao mesmo tempo, a decisão tende a reduzir pedidos genéricos e pouco fundamentados, deslocando o eixo de litigância para casos realmente excepcionais, em que a regulação ainda não alcançou a necessidade do paciente, embora a ciência já ofereça resposta segura. A estratégia processual passa a ser menos "disputar o rol" em abstrato e mais demonstrar que, naquele caso concreto, a aplicação automática do rol, sem considerar a evidência e a ausência de alternativa terapêutica, levaria à violação do direito fundamental à saúde e da própria dignidade do beneficiário.

Conclusão: Um novo padrão técnico para tratamentos fora do rol da ANS

Em síntese, a ADIn 7.265 não extingue a possibilidade de concessão judicial de medicamentos e tratamentos fora do rol da ANS, mas transforma essa possibilidade em exceção qualificada. O rol permanece como parâmetro obrigatório da saúde suplementar; a cobertura de tecnologias não listadas só é admitida quando o paciente, por meio de seu advogado, comprova a presença dos cinco requisitos cumulativos fixados pelo STF e quando o juiz observa o rito técnico-processual delineado no acórdão, com apoio em NATJUS e em medicina baseada em evidências de alto nível.

Para quem milita na área, o recado é claro: a judicialização da saúde suplementar entra numa fase em que o domínio da regulação sanitária, da avaliação de tecnologias em saúde e da prova científica passa a ser tão importante quanto o conhecimento do CDC ou da lei dos planos de saúde. A advocacia especializada que se alinhar rapidamente a esse novo padrão técnico continuará sendo capaz de viabilizar, em juízo, o acesso a terapias essenciais, mesmo fora do rol, sem perder de vista a coerência regulatória e a sustentabilidade do sistema.

Evilasio Tenorio da Silva Neto

VIP Evilasio Tenorio da Silva Neto

Advogado especialista em Direito da Saúde e Direito Civil. Titular do TSA - Tenorio da Silva Advocacia, escritório considerado referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e do SUS.

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