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Assédio moral a executivos em empresas internacionais

Assédio moral, demissões precoces e quebra de planos de contratação afetam altos executivos em empresas internacionais. Dados oficiais confirmam a expansão desse problema e seus impactos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:36

O cenário corporativo internacional mudou com intensidade nos últimos anos. A expansão de empresas asiáticas e europeias no Brasil trouxe inovações, tecnologia, modelos de gestão avançados e integração global, mas também inaugurou uma realidade silenciosa e profundamente nociva para profissionais de alto nível. Trata-se de um fenômeno que se expande a cada ano: o assédio moral direcionado a altos executivos, aliado ao descumprimento sistemático de planos de contratação e à prática crescente de demissões precoces logo após longos processos seletivos, sofisticados e custosos. Embora a Justiça do Trabalho registre centenas de milhares de ações de assédio moral envolvendo trabalhadores comuns, é entre os executivos que o problema revela sua face mais sofisticada, menos visível e, paradoxalmente, mais devastadora.

Entre 2020 e 2024, o Poder Judiciário trabalhista recebeu 458.164 novas ações envolvendo pedidos de indenização por assédio moral. O crescimento recente impressiona. Entre 2023 e 2024 houve aumento de 28 por cento, passando de 91.049 para 116.739 processos apenas no último ano. O TRT-2, sede das maiores operações empresariais do país, registrou sozinho 130.448 ações. Esses dados, divulgados pelo CNJ, revelam um fenômeno estrutural, mas não capturam a realidade de executivos de alto escalão, que raramente judicializam imediatamente suas experiências, seja para preservar a reputação, seja para evitar desgaste com mercados internacionais sensíveis a litígios. Isso significa que o número real de situações abusivas vividas por diretores, gerentes executivos e C-level é muito maior do que o que aparece nas estatísticas formais.

Ao contrário do trabalhador comum, que enfrenta cobranças excessivas, e-mails respondidos em férias e sobrecarga operacional, o executivo lida com outro tipo de violência. A diferença é fundamental e precisa ser dita com clareza. O trabalhador comum sofre abuso funcional. O alto executivo sofre abuso estratégico. O trabalhador comum enfrenta humilhações individuais. O alto executivo enfrenta humilhação institucionalizada, cuidadosamente neutralizada pela aparência de normalidade, pelas narrativas de performance global e pela expectativa de que quem ocupa o topo "aguenta tudo". Essa cultura é destrutiva e, muitas vezes, ilegal.

O padrão mais recorrente nos casos analisados é sofisticado e organizado. Empresas internacionais realizam processos seletivos extensos que podem durar de seis meses a mais de um ano, com entrevistas multilaterais, validações psicométricas, apresentações à matriz, banca técnica e reuniões presenciais ou remotas com diretores do exterior. Essa etapa longa cria no candidato uma expectativa legítima de estabilidade, desenvolvimento e investimento a longo prazo. Uma vez contratado, o executivo inicia suas funções com o discurso de que terá autonomia plena, acesso ao board, horizonte de crescimento, metas razoáveis e prazo adequado para maturação de resultados. No entanto, logo após a entrada, surge um conjunto de comportamentos típicos de gestão abusiva: metas impossíveis, ausência completa de onboarding estratégico, isolamento progressivo, retirada de responsabilidades essenciais, restrição de informações fundamentais para tomada de decisões e desqualificação velada de sua capacidade técnica.

O caso mais emblemático é o da demissão precoce após curtíssimo período de trabalho. Isso acontece até mesmo quando a empresa, apesar de contratar um diretor ou gerente executivo, formaliza o vínculo por contrato de experiência, prática absolutamente incoerente com o nível hierárquico, mas usada como instrumento jurídico para facilitar a dispensa antes do prazo de estabilização profissional. Muitas vezes, essas demissões ocorrem em dois ou três meses de atuação, período insuficiente para que qualquer estratégia de alto impacto produza resultados mensuráveis. É comum que a justificativa seja vaga e subjetiva, como falta de aderência cultural ou reestruturação global repentina. Embora a empresa quite formalmente as verbas proporcionais, o dano causado ao executivo vai muito além do acerto rescisório. Sua imagem é comprometida, sua reputação perante o mercado é abalada, sua trajetória profissional é interrompida de forma brusca e injusta e sua saúde mental é colocada em risco.

A psicologia institucional confirma essa realidade. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, os afastamentos por transtornos mentais e comportamentais mais do que dobraram entre 2014 e 2024, saltando de aproximadamente 203 mil para mais de 440 mil casos. Os auxílios-doença concedidos por transtornos de ansiedade atingiram o maior número em dez anos, com aumento de 76 por cento. A psicóloga Fabíola Izaias, do TST, explica que a segurança psicológica depende diretamente da possibilidade de expressar opiniões sem medo de retaliação e que ambientes abusivos corroem a identidade profissional e produzem adoecimento progressivo, sobretudo entre cargos de alta responsabilidade que carregam pressão e visibilidade ampliadas. Isso se acentua quando o executivo é submetido a injustiças flagrantes como isolamento, metas irreais e ruptura contratual precoce.

Há ainda um aspecto jurídico essencial: o descumprimento do dever de boa-fé objetiva previsto no art. 422 do CC. Quando a empresa promove um longo processo seletivo, formula expectativas concretas, promete autonomia e prazo de adaptação e, logo após a contratação, age de modo incompatível com o que foi acordado, surge uma clara violação contratual. Em muitos casos, configura-se inclusive abuso de direito, descrito no art. 187 do CC. Além disso, quando o executivo abandona outra oportunidade sólida para assumir o novo cargo e tem sua carreira interrompida de modo artificial, pode-se discutir indenização por perda de uma chance, instituto reconhecido reiteradamente pela jurisprudência brasileira.

Outro aspecto fundamental, ignorado por muitos profissionais, é que o executivo precisa tratar seu contrato como trata seu patrimônio. Não pode assinar documentos complexos sem que sejam examinados e negociados por advogado próprio. Ao contrário do trabalhador comum, o executivo lida com cláusulas de grande impacto econômico e reputacional, como metas condicionadas, remuneração variável, planos de bônus, mecanismos de avaliação, cláusulas de não concorrência, sigilo, responsabilidade civil e, em alguns casos, exposição societária não declarada. A empresa deve não apenas permitir mas incentivar a revisão contratual pelo advogado particular do executivo. Isso reduz riscos, previne litígios e fortalece a relação institucional. No exterior essa prática é comum, enquanto no Brasil ainda se trata como resistência injustificada.

É preciso deixar claro que exigir eficiência, cobrar metas e avaliar desempenho não constitui assédio moral. Assédio moral ocorre quando há sequência de condutas abusivas que degradam a dignidade do trabalhador. No caso dos altos executivos, isso ocorre quando a empresa adota cultura de pressão abusiva, isolamento deliberado, descrédito estratégico, falta de clareza operacional, exigências impossíveis ou manipulação emocional para justificar demissão precoce. Em empresas internacionais é comum que diferenças culturais sejam usadas como desculpa para comportamentos abusivos, criando ambientes onde a humilhação é naturalizada em nome da alta performance.

A sociedade e o mercado precisam amadurecer a compreensão sobre esse fenômeno. A contratação de altos executivos não pode ser tratada como experimento, e a demissão precoce não é mero ato de gestão, mas, muitas vezes, sintoma de práticas abusivas e violações contratuais graves. Da mesma forma, é urgente reforçar que empresas internacionais se beneficiam quando aceitam que o executivo seja assessorado por advogado especializado desde a fase pré-contratual, pois isso traz segurança jurídica não apenas ao contratado, mas ao próprio contratante.

Enquanto o ambiente corporativo global se torna mais competitivo e veloz, cresce também a responsabilidade ética e legal das empresas na condução de relações de trabalho equilibradas, transparentes e compatíveis com a dignidade profissional. Proteger o alto executivo não é fragilidade. É blindagem institucional.

Marcia Pons

VIP Marcia Pons

Pons advogada com 25 anos em Família, Sucessões e Planejamento Patrimonial, 14 anos no Pons & Tosta, com atuação em Executivos, Mediação estratégica e proteção do patrimônio inc digital.

Luiz Gustavo Tosta

VIP Luiz Gustavo Tosta

Tosta é advogado sócio na P & T, Mediador, especialista em Trabalhista para Executivos e Planejamento Patrimonial, atua em negociações estratégicas com grandes empresas e proteção de alta gestão.

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