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A fragilidade dos critérios para concessão da justiça gratuita na Justiça do Trabalho

A ausência de parâmetros claros para aferição de hipossuficiência econômica amplia a insegurança jurídica e coloca em risco a eficiência da Justiça do Trabalho.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Atualizado em 8 de dezembro de 2025 13:39

Imagine um cenário em que um empresário com renda superior a R$ 20 mil mensais, sócio de empresa com faturamento milionário, é considerado "pobre" pela Justiça do Trabalho  e obtém isenção do pagamento de custas e honorários advocatícios sucumbenciais. Parece contraditório, mas é uma realidade cada vez mais comum nos tribunais trabalhistas.

A concessão da justiça gratuita, benefício originalmente destinado a quem não pode arcar com os custos do processo, tem sido aplicada de forma ampla e, muitas vezes, automática, mesmo para pessoas com evidente capacidade financeira. Essa prática tem gerado insegurança jurídica e dificultado a atuação estratégica das empresas na defesa de seus interesses.

A controvérsia ganhou novos contornos com o julgamento do Tema 21 pelo TST, em dezembro de 2024. A Corte estabeleceu que mesmo quem recebe acima de 40% do teto do INSS (atualmente R$ 3.262,96) pode ser beneficiado, desde que apresente declaração de hipossuficiência. Prevista na lei 7.115/83, essa declaração gera presunção de pobreza, salvo se houver impugnação fundamentada pela parte contrária.

Embora o objetivo do TST tenha sido uniformizar o entendimento e promover segurança jurídica, a ausência de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência produziu o efeito inverso. A Corte não definiu parâmetros claros para verificar a veracidade da declaração nem indicou quais provas seriam suficientes para afastar a presunção. Com isso, empresas que enfrentam ações trabalhistas acabam em desvantagem, mesmo diante de evidências concretas da capacidade econômica do autor.

A advocacia empresarial tem enfrentado desafios relevantes diante desse cenário. Ainda que sejam apresentados documentos robustos (como extratos bancários, declarações de imposto de renda, contratos sociais e registros patrimoniais), o indeferimento da justiça gratuita tornou-se cada vez mais excepcional. 

Desde 2020, verifica-se um expressivo crescimento no número de decisões que concedem pedidos de justiça gratuita, atingindo o patamar de mais de 90% dos casos que transitaram em julgado em 2024.1

Na prática, a simples apresentação da declaração de pobreza tem sido suficiente para a concessão do benefício da justiça gratuita, sem qualquer análise robusta sobre sua veracidade ou consideração das provas que demonstram a capacidade financeira do autor. Mesmo quando há documentos que evidenciam patrimônio elevado, como viagens internacionais, imóveis de alto valor, participação societária em empresas ourenda mensal expressiva, esses elementos têm sido ignorados em nome de uma presunção que, na maioria dos casos, sequer vem sendo colocada a julgamento pelos juízes trabalhistas nas instâncias inferiores, mesmo quando há prova nos autos que demonstram a fragilidade dessa presunção.

Um caso ilustrativo é o de um empresário que, durante a parceria comercial com uma grande empresa ré na ação trabalhista, na qual pleiteia o reconhecimento do vínculo de emprego, auferia renda mensal superior a R$ 100 mil. Atualmente, ele atua como sócio de uma corretora de seguros e, em suas redes sociais, se apresenta como um empresário de sucesso2.

Após decisão desfavorável que julgou improcedente a sua reclamação trabalhista, condenando-o ao pagamento de custas e honorários advocatícios sucumbenciais, a vice-presidência do TRT-2, apesar dos indícios claros de capacidade econômica, admitiu o recurso de revista interposto pelo empresário sobre a discussão envolvendo o benefício da justiça gratuita, bem como deferiu efeito suspensivo ao recurso fundamentada na mera declaração de pobreza, aplicando-se o Tema 21 do TST3.

Em outro caso, um empresário que faturava, em média, mais de R$ 26 mil mensais e figurava como sócio de duas empresas (uma com mais de 230 empregados e outra com faturamento anual próximo a R$ 2 milhões), teve o pedido de justiça gratuita deferido pelo TRT-2, validando a simples declaração de pobreza também com base no Tema 21 do TST4.

A concessão indiscriminada da justiça gratuita, inclusive para litigantes de alta renda, pode ser analisada sob a ótica econômica da utilização de um recurso coletivo para fins individuais e de forma desenfreada, levando à sua exaustão ou ineficiência. No contexto da Justiça do Trabalho, a justiça gratuita representa um recurso público e limitado, destinado prioritariamente àqueles que realmente não possuem condições de arcar com os custos do processo - ou seja, aos trabalhadores hipossuficientes.

Quando o benefício é estendido de forma automática e sem critérios objetivos, inclusive para pessoas com evidente capacidade financeira, ocorre uma sobrecarga do sistema. Litigantes de alta renda, ao se beneficiarem da gratuidade na condição de reclamantes, aumentam o volume de processos que tramitam sem o recolhimento de custas e sem o risco financeiro inerente à litigância. Isso incentiva o ajuizamento de demandas muitas vezes temerárias ou desnecessárias, pois o custo do acesso à Justiça é praticamente zero. 

Não à toa, a quantidade de novas ações trabalhistas ultrapassou 3,6 milhões em 20245, número superior ao período anterior à reforma trabalhista, que, a princípio, definiu regras mais rígidas aos litigantes quanto ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais.

Além de afetar a eficiência da Justiça do Trabalho, a concessão indiscriminada do benefício da justiça gratuita impõe às empresas o ônus de custear defesas complexas, reunindo provas robustas a fim de demonstrar a capacidade econômica de reclamantes - porém, sem qualquer garantia de que esses esforços serão reconhecidos pelo Judiciário. 

O paradoxo é evidente: mesmo diante de elementos concretos que demonstram a capacidade financeira do autor, a presunção de hipossuficiência prevalece na maioria dos casos, tornando incerta a efetividade da impugnação e ampliando o custo e o risco da litigância empresarial.

Essa situação paradigmática torna-se ainda mais surpreendente quando se observa que o item III do Tema 21 do TST não vem sendo efetivamente aplicado pelos Tribunais. Esse item prevê expressamente a possibilidade de afastamento da presunção de hipossuficiência mediante impugnação fundamentada e apresentação de provas pela parte contrária, o que, em tese, permitiria ao Judiciário analisar, de forma mais criteriosa, a real condição econômica do requerente do benefício. 

No entanto, o que se verifica na prática é a prevalência de um julgamento sumário sobre a questão, em que a simples declaração de pobreza é aceita sem o devido enfrentamento das provas apresentadas pelas empresas. Essa postura judicial contribui para a perpetuação da insegurança jurídica e para o aumento do custo e do risco da litigância empresarial, pois, mesmo diante de elementos concretos que demonstram a capacidade financeira do autor, a presunção legal permanece praticamente inabalável.

Em conclusão, é imprescindível que os Tribunais Trabalhistas observem o devido processo legal e promovam a instauração do incidente previsto no art. 99, §2º, do CPC sempre que houver impugnação fundamentada e acompanhada de provas pelas empresas, conforme determinado no item III do Tema 21. 

Tal medida assegura que o reclamante seja efetivamente intimado a comprovar sua real situação econômica, permitindo ao Judiciário uma análise criteriosa e individualizada do pedido de gratuidade. Dessa forma, preserva-se o equilíbrio processual e evita-se o uso indevido de um benefício destinado aos trabalhadores verdadeiramente necessitados, aumentando a segurança jurídica e a eficiência da Justiça do Trabalho.

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1 Informações extraídas da plataforma Data Lawyer: https://www.datalawyer.com.br/. Acesso em: novembro/25.

2 Rico nas redes, pobre na Justiça. Empresário do setor de seguros apresenta declaração de pobreza a juiz. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/dinheiro-e-negocios/rico-nas-redes-pobre-na-justica-empresario-do-setor-de-seguros-apresenta-declaracao-de-pobreza-a-juiz. Acesso em: novembro/25.

3 Processo nº 1000535-77.2021.5.02.0006

4 Processo nº 1001535-09.2021.5.02.0008

5 Disponível em: https://www.tst.jus.br/en/web/estatistica/jt/recebidos-e-julgados. Acesso em: novembro/25.

Cleber Venditti da Silva

Cleber Venditti da Silva

Sócio do escritório Mattos Filho.

Eduardo Bach Bitencourt

Eduardo Bach Bitencourt

Advogado do escritório Mattos Filho. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e mestrando em Economia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Maria Luiza Magaton Prado

Maria Luiza Magaton Prado

Advogada do escritório Mattos Filho.

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