Reflexos do golpe da falsa central de atendimento no Judiciário e nas instituições financeiras
Fraude da falsa central induz clientes a golpes por tecnologia e gera debates sobre a responsabilidade de bancos e usuários.
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Atualizado às 14:13
Em poucas palavras o golpe da falsa central de atendimento bancário consiste em fraude na qual o estelionatário se passa por funcionário da instituição financeira e, por meio de ligação telefônica, mensagem de WhatsApp, e-mail ou SMS, informa ao correntista que sua conta está com algum problema, e, para resolver, induz o correntista a realizar movimentações financeiras diretamente para uma chave e ou conta segura.
Inicialmente podemos achar que seria muito difícil nos dias de hoje, as pessoas caírem nesse tipo de golpe, mas, a realidade é completamente diferente.
Segundo dados do Anuário de Segurança Pública de 2023, extraídos das bases de dados da Secretarias Estaduais e Órgãos de Segurança, os crimes cibernéticos tiveram um expressivo aumento de 65,22%.
Os estelionatários conseguem induzir os consumidores ao erro utilizando golpes cibernéticos de "engenharia social" que tem como principal foco a técnica de manipulação que explora os erros humanos para obtenção de informações e dados privados.
Por incrível que pareça a "engenharia social" tornou-se popular pelo hacker americano Kevin Mitnick em 2013, através do seu Livro "THE ART OF DECEPTION: CONTROLLING THE HUM ELEMENT OF SECURITY", em tradução livre "A ARTE DE ENGANAR" apesar de ser utilizada por ele desde os anos 70.
Dentro da engenharia social existem vários tipos de crimes cibernéticos, e um dos mais comuns que vem sendo utilizado pelos estelionatários é o "phishing", que consiste em vários tipos de abordagem para convencer as vítimas a enviar seus dados pessoais, motivados pelas emoções, medo e intimidação.
Notadamente a vítima somente se dá conta de que caiu num golpe após informar os seus dados e transferir os valores, pois, a forma com o que os estelionatários atuam e os mecanismos utilizados ultrapassam o conhecimento médio.
Com a certeza do golpe a primeira ação da vítima é entrar em contato com a instituição financeira da qual é cliente e relatar o problema, e, na grande maioria das vezes as respostas são padronizadas, sem uma solução prática, que atenda as expectativas da vítima.
Com a improvável solução administrativa que atenda a vítima, todas essas discussões desaguam no judiciário.
Com a crescente judicialização do tema, grande parte das instituições bancárias defendem que não haveria justo motivo para sua responsabilização, uma vez que os clientes ao fornecerem a terceiros seus dados estariam sendo negligentes, contribuindo assim, para concretização da fraude.
Decerto as instituições bancárias não deixam de estar corretas, pois, inúmeras campanhas e avisos sobre golpes são informados diariamente nos mais variados canais, haja vista a inevitáveis novas formas de relacionamento entre clientes e instituições financeiras, em especial por meio de sistemas eletrônicos e da internet.
Dito isto, é imperioso ressaltarmos que esse relacionamento e a forma com o que ele ocorre, geralmente é feito por sistemas tecnológicos disponibilizados pelas próprias instituições, o que está dentro da cadeia de fornecimento de produtos e serviços, e notoriamente reforça a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.
Sendo assim, há o entendimento de que é dever das instituições financeiras fornecerem mecanismos de segurança adequados à proteção, ao sigilo das informações, principalmente os dados pessoais nos exatos termos da LGPD.
E, a jurisprudência dos nossos tribunais não são silentes sobre o tema, conforme os julgados REsp 2.052.228 DF 2022/0366485-2, AC 1007985-81.2021.8.26.0223 SP 1007985-81.2021.8.26.0223, PELAÇÃO: APL 0841071-72.2022.8.19.0001 202300175326, e a súmula 479 do STJ.
Contudo, precisamos ter em mente que os avanços tecnológicos e o comodismo às facilidades de acesso a sistemas e a plataformas eletrônicas também contribuem para as fraudes.
O uso de plataformas digitais, aplicativos, sites e outros sistemas tecnológicos de fato é prático, rápido e cômodo, mas, é imprescindível que o seu uso tem que ser responsável.
O uso responsável vem atrelado a medidas de segurança básicas, que de fato muita das vezes é negligenciado pelos usuários, quando não seguem as dicas e regras de segurança indicados.
Dentro desse certame, alguns Tribunais vêm sinalizando acerca da não responsabilização das instituições bancárias, vejamos:
"RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. BANCÁRIO. GOLPE. FALSA CENTRAL DE ATENDIMENTO. TRANSFERÊNCIAS DE VALORES VIA PIX PARA CONTA BANCÁRIA DE TERCEIROS DESCONHECIDOS. FRAUDE EVIDENTE. AUTOR QUE NÃO TOMOU AS CAUTELAS NECESSÁRIAS. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 3º, II, DO CDC. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BANCO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NÃO EVIDENCIADA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO."
(TJ/PR 00326695820228160182 Curitiba, Relator: Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa, Data de Julgamento: 8/7/2023, 1ª turma recursal, Data de Publicação: 10/7/2023)
Por obvio, grande parte dos tribunais entendem que a responsabilidade é dos bancos, mas, entendemos que não se pode haver um entendimento generalizado de culpa. O que deve ser analisado são os fatos, quais mecanismos de segurança são empregados, se essas medidas de segurança são informadas objetivamente aos usuários, e se de fato houve o uso responsável das plataformas digitais.
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https://www.internationalit.com/post/anu%C3%A1rio-de-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-2023-crimes-digitais-aumentam-65-2
José Campello Torres Neto
Membro da Comissão Especial de Direito Empresarial da Ordem dos Advogados do Brasil OAB/RJ de 2016 a 2022. Graduado em Ciências Jurídicas e Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia - ESA/RJ.



