O contrato de trabalho intermitente no Direito brasileiro - Evolução e atualidade
O artigo analisa a evolução do contrato intermitente após a reforma de 2017, destacando impactos jurisprudenciais, segurança jurídica e desafios na proteção do trabalhador.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado em 10 de dezembro de 2025 14:06
Contrato de trabalho intermitente desde sua introdução, gerou intensos debates e transformações na dinâmica das relações de emprego no Brasil.
A reforma trabalhista de 2017 trouxe mudanças significativas no Direito do Trabalho brasileiro, alterando regras sobre jornada, negociações e custas processuais.
Essas alterações impactaram a jurisprudência dos tribunais trabalhistas, promovendo maior flexibilidade nas relações laborais.
De acordo com a tese fixada pelo TST no IRR 23 (Tema 1.046/STF), a lei 13.467/17 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso na data de sua vigência (11/11/17), regulando os direitos decorrentes de fatos geradores ocorridos a partir de então, sem retroatividade prejudicial ao trabalhador, conforme reafirmado em julgamentos uniformizados dos TRTs em 2024.
Essas alterações impactaram a jurisprudência dos tribunais trabalhistas, promovendo maior flexibilidade nas relações laborais.
No âmbito das negociações coletivas, v.g., o TST, no IRR 213, consolidou que horas extras habituais não invalidam normas coletivas de turnos ininterruptos de 8 horas diárias, desde que respeitados direitos indisponíveis e a prevalência do negociado sobre o legislado (art. 611-A CLT), alinhando-se ao Tema 1.046 do STF e ao RE 1.476.596, com decisões reiteradas pelo TRT-2 em 2025.
Demais disso, e no que concerne aos honorários advocatícios sucumbenciais (art. 791-A CLT), a súmula 219 do TST (item I, atualizada pós-reforma) limita sua aplicação a ações ajuizadas após 11/11/17, excluindo demandas pré-reforma ou de natureza não empregatícia, como por exemplo as de avulsos portuários, conforme IRR 341 e julgados do TRT-4 em 2023.
Outros avanços incluiram o cálculo de horas extras para bancários, no qual o divisor mensal é de 220 horas para jornada de 8h semanais (art. 64 CLT), sem alteração por repouso semanal ampliado via acordo coletivo (IRR 849, TST, 2024), e a vedação à cumulação de adicionais de insalubridade e periculosidade (art. 193, §2º CLT, recepcionado pela CF/88, IRR 190, com aplicação subsidiária em terceirizações julgadas pelo TRT-15 em 2025).
Essa evolução jurisprudencial reforça a verticalização das decisões, apesar das restrições ao quorum para renovação de súmulas impostas pela reforma (alínea "f" do art. 702 CLT, declarada inconstitucional pelo pleno do TST em 2022).
O contexto histórico e a gênese da modalidade
A flexibilização das leis trabalhistas não é um fenômeno novo.
No Brasil, o contrato intermitente ganhou status legal com a lei 13.467/17, a chamada reforma trabalhista.
Vejamos porque:
- Necessidade econômica:
A modalidade surgiu como uma resposta a setores com sazonalidade ou picos de demanda irregulares (como varejo, eventos, turismo), nos quais o contrato de tempo integral ou por prazo determinado não se mostrava totalmente eficiente.
- O vazio legal anterior:
Antes da reforma, a jurisprudência e a melhor doutrina tentavam enquadrar essas necessidades em figuras como o trabalho por tempo parcial ou mesmo a jornada móvel e variável.
No entanto, a imprevisibilidade inerente à intermitência criava certamente insegurança jurídica.
Definição legal e requisitos essenciais
A figura do contrato intermitente está prevista no art. 443, § 3º, da CLT, e detalhada no art. 452-A.
A intermitência como marca
A característica central é a alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, sendo que esta inatividade é formalmente equiparada a um período de espera.
Evolução e a posição atual do STF (ADIn 5.826)
O contrato intermitente foi intensamente questionado no STF.
A principal arguição era a suposta inconstitucionalidade por violação dos direitos sociais e da dignidade da pessoa humana, dada a insegurança na renda.
ADIn 5.826 - Julgamento de 2023:
O STF, por maioria, declarou a constitucionalidade dos artigos que tratam do trabalho intermitente (art. 443, § 3º, e art. 452-A da CLT).
Tese prevalente:
O STF entendeu que a modalidade, desde que observadas as garantias mínimas (pagamento imediato das parcelas, valor mínimo da hora de trabalho, e a faculdade de recusa), não precariza a ponto de ferir a CF.
A flexibilidade é assim analisada e entendida como uma forma de inclusão no mercado formal.
Marco na jurisprudência:
Este julgamento consolidou a segurança jurídica da modalidade, encerrando um ciclo de incertezas e reafirmando o papel do contrato intermitente na CLT.
Desafios e riscos jurídicos na atualidade
Apesar da constitucionalidade afirmada, a aplicação prática do intermitente está a exigir cautelas do profissional do Direito.
Ou seja:
A descaracterização:
O maior risco é sem dúvida alguma a descaracterização do contrato intermitente para um contrato por prazo indeterminado (clássico).
Tal ocorre, principalmente, quando:
Há continuidade disfarçada (chamamentos frequentes e regulares, configurando jornada integral de fato).
Há descumprimento dos requisitos formais (ausência de contrato escrito, valor da hora inferior ao mínimo/isônomo).
O período de inatividade:
Durante o período de inatividade, o contrato está vigente, mas o empregador não pode exigir disponibilidade do empregado (salvo para atender ao prazo da convocação).
Qualquer exigência de exclusividade ou disponibilidade prévia pode gerar ônus remuneratório e descaracterizar a modalidade.
A multa por cancelamento (452-A, § 4º):
Se, aceita a oferta, a parte que a propôs desistir, deverá pagar à outra, no prazo de trinta dias, indenização de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, exceto em caso de "force majeure".
O contrato de trabalho Intermitente veio sim representar a adaptação do Direito do Trabalho a um cenário econômico mais volátil e flexível.
Sua evolução, desde a criação polêmica em 2017 até a chancela do STF em 2023, demonstra sua relevância e permanência no ordenamento jurídico brasileiro.
O desafio é e será garantir que a flexibilidade da modalidade não se converta em fraude ou mesmo precarização, a assegurar que o trabalhador intermitente goze de todos os direitos que a lei e a CF lhe garantem.
Fim
Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
Migalheira desde abril/2020. Advogada, sócia fundadora do escritório Figueiredo Ferraz Advocacia. Graduação USP, Largo de São Francisco, em 1.981. Mestrado em Direito do Trabalho - USP. Conselheira da OAB/SP. Conselheira do IASP. Diretora da AATSP.



