***º§´**, o meu amigo ET e o caso do Banco Master
Discussão ficcional sobre a quebra do Banco Master, envolvendo fraudes, política, FGC e práticas financeiras de alto risco.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado em 10 de dezembro de 2025 14:07
- Um aventureiro e seus amigos - Deu no que deu
Um caríssimo amigo me perguntou se eu havia conversado com ***º§'**, meu amigo ET, sobre o assunto do momento nos meios financeiros, que é o rumoroso caso da quebra do Banco Master. Esse evento não abalou nosso sistema financeiro, tendo ficado limitado nos seus efeitos a alguns setores, mas causou sério problema para o FGC - Fundo Garantido de Créditos e mexeu com vespeiros situados em diversos quintais da República. Tanto que nesses últimos dias colecionei cerca de cinquenta artigos sobre o caso, que abordam os mais diversos aspectos.
Achei uma boa ideia conversar com ***°$** e o convidei para um papo. - Venha pelo meio da tarde, disse eu a ele. Estaremos tranquilos porque minha esposa viajou para visitar uma filha. Assim, a minha auxiliar quituteira, D. Almerinda, terá tempo de passar um café caprichado e fazer aqueles famosos pães de queijo de que você gosta tanto. Afinal de contas, D. Almerinda é mineira de raiz.
Na hora aprazada, posta a mesa, surgiu ***º§'**, praticamente do nada na varanda de casa, e acomodou-se confortavelmente na sua poltrona predileta. Eu não sei como ele viaja no tempo e no espaço em tempo real. Uma vez lhe perguntei e ele me disse que isso era um segredo vital que jamais poderia ser revelado, especialmente para os terráqueos que são uma raça extremamente predatória, dizimadora de civilizações. A esse respeito ele me disse que a Federação Intergalática não nos permitirá jamais fazer viagens intergaláticas, se o desenvolvimento de nossa tecnologia nos permitir, a ser tolerada, quando muito, com tripulação humana, somente dentro do sistema solar. Eu não respondi, me lembrando de que muitos povos foram levados à aniquilação determinada por conquistadores ávidos por riquezas, tal como aconteceu na América Espanhola.
- Caro ***º§'**, você que está a par de tudo o que acontece nas diversas galáxias, me diga o que pensa a respeito da derrocada do Banco Master.
- Dileto professor Verçosa, eu não sei de tudo, claro. Sou apenas um observador que acompanha a vida de civilizações pelo universo afora, analisando como progridem ou não. Esse tema tem assunto para muitas reuniões e pode dizer para a D. Almerinda que virei par almoços e jantares, conforme o andar da carruagem. E sua visita também será bem-vinda lá em casa, juntamente com a sua esposa.
- Será muito bom, disse eu, já que você trará uma visão de fora, neutra.
- Eu começaria por analisar o senhor Vorcaro, na sua origem empresarial e o no seu percurso até chegar a ser o dono do banco quebrado. Me interessou vivamente o seu imenso rol de "amizades" e que papel tiveram em todo esse tenebroso quadro. Afinal de contas, as relações perigosas e seus efeitos são conhecidos de sua civilização há longo tempo, que nos diga Chordelos de Laclos.
- O que sabemos é que ele começou a sua vida empresarial no Grupo Multipar, que pertencia ao seu pai, onde trabalhou por oito anos, tendo ocupado os cargos de diretor financeiro e de presidente. Tratava-se de uma empresa do setor imobiliário, sediada em Belo Horizonte, atuando na gestão, aquisição e venda de ativos imobiliários empresariais1.
- Isso quer dizer, professor Verçosa, que o Senhor Vorcaro não era dotado do perfil de um banqueiro, disse ***º§'**. Para mim não se trata de um problema, pois pode-se aprender a ser banqueiro - o que exige conhecimentos e comportamentos especiais, diferenciados das empresas comuns, digamos assim.
- Isso mesmo! E quando se tornou banqueiro, a partir de 2017, logo ficou notório na Faria Lima, por seu estilo agressivo de fazer negócios e de eventos com patrocínios milionários, como foram os casos do carnaval de 2024, quando foi um dos principais investidores do Café de La Musique Alma Rio, camarote VIP da Sapucaí. A festa de quinze anos de sua filha teria custado R$15 milhões, com a presença de artistas como Alok, Fatboy Slim e Irina Shayk2. Despesas não profissionais de alto vulto se deram, por exemplo, em relação a Karolina Trainotti, designada como sugar baby, que ganhou de Vorcaro, em dezembro de 2014, por meio de interpostas empresas, um apartamento no valor de R$4,3 milhões na região da Faria Lima3. Vorcaro possui uma casa em Trancoso, avaliada em R$ 280 milhões. Esbanjar dinheiro também ocorreu na gestão do banco, quando foi alugado um espaço no Bishopsgate, o prédio mais alto do Reino Unido, contrato do qual Vorcaro mais tarde desistiu. Vejamos os seus passos na área financeira. Vejamos como isso aconteceu4.
- Professor Verçosa, olhando de longe diversos acontecimentos que terminaram também na órbita policial, eu identifico um ponto comum no comportamento de pessoas que em pouco tempo amealham fortunas fantásticas: todos eles gostam de grandes mansões, carros esportivos de marcas famosas, jatinhos, joias e relógios. Sendo assim, seria fácil para os agentes públicos, como a Fazenda Nacional, procurarem os fornecedores de tais bens para verificar quem os estaria comprando e identificar a origem dos valores dispendidos em tais negócios. Assim sendo, penso que seria muito proveitoso porque ilícitos seriam apanhados na origem. Mas isso é assunto para outra oportunidade.
- Voltando à nossa mesma fonte, soubemos que em 2017, ele começou a sua carreira no mercado financeiro ao adquirir uma participação minoritária no então Banco Máxima, fundado nos anos 1970 e conhecido por atuar na concessão de crédito imobiliário. Posteriormente ele aumentou sua participação na instituição, notando-se que já em 2020, foi investigado pela da Política Federal, na operação Fundo Fake, que tinha em vista a gestão fraudulenta em institutos de previdência municipais. Neste sentido o Banco Máxima era suspeito de ter envolvimento com o desvio de R$ 17,4 milhões em investimentos do instituto de previdência da cidade da Zona da Mata de Rolim de Moura (RO), a Rolim Previ. O caso ainda corre na Justiça Federal.
- E sabemos também que em 2018 o banco mudou o nome de Máxima para Master. No período, a instituição iniciou a expansão de sua operação. No ano de 2022, Vorcaro chamou a atenção pela compra 80% do projeto Fasano Itaim -posteriormente vendido ao BTG Pactual. Em 2023 ele atuou para solidificar a colocar a SAF do Atlético Mineiro na qual ainda manteria 27% de participação - e da qual foi afastado nestes últimos dias -, com R$ 300 milhões. Em 2024, com outra iniciativa surpreendente, ele adquiriu o Banco Voiter e o Will Bank. tendo ampliando significativamente o grupo Master, que chegou a ter sua sede no mesmo prédio que o Google, na Avenida Faria Lima.
- Uma carreira meteórica, professor Verçosa, disse o meu amigo ***º§'**, cabendo perguntar, qual a origem dos recursos utilizados nessas operações? Pelo que se tem apurado, muitos deles teriam sido artificialmente fabricados.
- Eu não vi essa questão levantada até agora de forma mais aberta. Podemos nos aprofundar um pouco no levantamento das informações disponíveis. Eu acho que também deveríamos olhar para as ligações desse banqueiro e quais foram as consequências. Veja que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em relatório anterior à liquidação do banco, apontou a existência de uma "notável coincidência" entre a nomeação de novos diretores do Rioprevidência e o início dos seus investimentos no Master. Ora, essa entidade concentra a maior exposição de recursos entre os dezoito entes federativos que investiram naquela instituição, com enorme risco de perda5, ou praticamente uma certeza.
- Meu amigo, em outra matéria, de autoria de Carlos Alberto Sardenberg, a Amapá Previdência (Amprev) alocou R$ 400 milhões no Master, observando-se que tal fundo estaria sob o guarda-chuva do presidente do Senado, tendo havido oportunos protestos de conselheiros da entidade, ignorados pelo seu presidente, Jocildo de Lemos, indicado pelo primeiro. Os conselheiros que barraram a operação foram demitidos6.
- Ou seja, uma teia de aranha que se estendia por várias regiões do país, disse ***º§'**.
- E tem muito mais nessa enorme teia. Foi pedido o impeachement do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, sob a alegação da prática de crime de responsabilidade na tentativa de aquisição do Master pelo banco de Brasília, o BRB, o que teria ultrapassado a esfera de qualquer suposto erro gerencial ou de um negócio malsucedido. O objetivo teria sido o de promover a transferência de responsabilidades privadas para a conta do patrimônio público, na violação de princípios basilares da Administração Pública7.
- Um comportamento que se espalhou, disse ***º§'**. Tal e qual as pedras atiradas em voo rasante na água. Mas eu sei também que o estrago poderia ter sido bem maior. Isso porque o líder honorário da chamada "Bancada do Vorcaro", senador Ciro Nogueira, em 2024 apresentou proposta para o aumento da cobertura do FGC dos atuais R$ 250 mil para R$1 milhão. Se isso tivesse acontecido, os recursos daquele fundo teriam sido totalmente comprometidos com a quebra do Master. Essas ligações políticas extravasaram esse ambiente, para se estenderem a outros setores, dentro de um processo poderoso de blindagem do Vorcaro. Sabe-se que ocorreram festas milionárias e viagens de jatos particulares com políticos e autoridades do Governo e do Judiciário, dentro do esquema de ricos patrocínios a eventos jurídicos, além de contratos generosos com figuras estreladas, a exemplo de Ricardo Lewandowski. Ele foi conselheiro do Master no intervalo de tempo entre a sua saída do STF e assunção como ministro da Justiça do Governo atual. E mais, o banco dispendeu R$ 250 milhões em 2024 em consultas jurídicas, uma delas pelo escritório de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Morais do STF8, assunto que anda quente no noticiário, em vista de uma viagem que ele fez em um jatinho na companhia de um advogado do Master9.
- Trata-se de um verdadeiro terremoto financeiro, que sobrou para o BCB, disse ***º§'**, que foi acusado de haver demorado demais na tomada da medida de intervenção no Master, tendo se alegado internamente que ainda não seria o caso, tendo se observado que a operação com o BRB tão somente transferiria o rombo de um banco privado para um estatal. A possível inércia do BCB - a ser analisada no curso dos acontecimentos - foi interrompida pela ação da Polícia Federal10. Essa acusação foi objeto de manifestação do presidente do BCB, afirmando que o órgão não tem a possibilidade de liquidar uma instituição financeira pelo fato de que ela estaria captando recursos com a remuneração de 140% do CDI, cabendo àquele examinar os procedimentos e o atendimento das normas, limitado pelo devido processo legal11.
- Prezado ***º§'**, as falcatruas até de natureza grosseira, tiveram também lugar no ambiente privado, com desvios da ordem de R$2,1 bilhões aplicados em empresas sem a mínima capacidade econômica suficiente para dar retorno a tais investimentos. Veja-se que uma clínica médica situada na cidade de Contagem (MG) recebeu do Master um investimento de R$ 361 milhões. Sua receita operacional anterior à operação foi de R$ 54 mil anuais! E tal clínica estava registrada em nome de um laranja, como costuma acontecer nesses casos. As fotos divulgadas pela imprensa mostram uma fachada demasiadamente rudimentar, levando a uma desconfiança visual evidente. Por sua vez, a laranja, havia tão somente trabalhado como recepcionista em outra empresa, vivendo em um imóvel bastante modesto. Ou seja, uma evolução profissional digna de um Guiness12.
- Espantoso! Mas sei também que houve fraudes na origem de créditos, como a relacionada àquela utilizada para a venda ao BRB, por volta de dezembro de 2024. Uma das empresas apontadas pela Polícia Federal no esquema da originação desses créditos foi criada apenas um mês antes da contratação com o Master, a Tirreno Consultoria Promotoria de Créditos e Participações, ao lado da Cartos Serviço Direto de Crédito. Seu dirigente foi preso na Operação Compliance Zero13.
- Há uma constatação a tirar de todo esse imbróglio, o sistema republicano de freios e contrapesos não está funcionando, manifestando-se diversas esferas de poder das quais o dono do Master se aproveitou para a construção do seu projeto megalomaníaco, na pura expressão do patrimonialismo histórico que grassa entre nós desde a descoberta do Brasil e efetivamente implementado com as capitanias hereditárias.
- O professor está fazendo uma referência à obra de Raymundo Faoro e outras na mesma linha?
- Isso mesmo, caro ***º§'**. Cabe aqui identificar como esse infeliz modelo de poder penetrou nas nossas raízes, evoluído de acordo com as nossas características próprias. Veja que o patrimonialismo estava originalmente centrado na figura do rei de Portugal, o qual governava com poder centralizado absoluto. Aqui no Brasil as capitanias hereditárias não passaram de meros expedientes de descentralização administrativa, sujeitos os seus titulares à soberania real. E tal arranjo se prolongou por dezenas e dezenas de anos.
- Prezado professor Verçosa, poderíamos dizer que a chamada Derrama, um imposto extraordinário aplicado no Brasil pela distante coroa portuguesa foi uma expressão do patrimonialismo, ainda centralizado, fundado na diferença entre a arrecadação de impostos prevista e a que era efetivamente realizada. Essa foi um dos expedientes que mantinha o país sob um pesado cabresto, fortalecendo o rei de Portugal em detrimento da população mais pobre, uma vez que era aplicado de forma arbitrária. E então veio a Inconfidência Mineira.
- Isso mesmo, caro ***º§'**. E na evolução história que se seguiu, a sucessão de D. VI não observou a manutenção do poder real absoluto, nas pessoas dos Pedros I e II, tendo dado lugar a uma divisão de poderes, com o surgimento de diversos estamentos, os quais consistem em núcleos de poder político e econômico, os quais afetam fortemente a governabilidade, às vezes unidos por interesses comuns, às vezes disputando espaços.
- Prof. Verçosa, a esse respeito eu identificaria estamentos localizados no meio político, no Judiciário e nos governos estadual e Federal. E eu coloco o Governo Federal por último, porque o seu poder revela-se atualmente como quase marginal, o que tem permitido a sua manipulação a até mesmo certo grau de chantagem implícita e explícita, praticada pelos outros estamentos. E na órbita Federal os estamentos se fortaleceram na medida da multiplicação dos partidos políticos, que somam pouco mais de trinta, cada um com o seu apetite voraz e sem que se diferenciem uns dos outros pelas suas plataformas. No fundo são todos iguais, me parece, apenas unidos indissoluvelmente em volta do fundo partidário e de outros interesses tornados eventualmente comuns. Nessa ordem de fatores vemos que o Brasil se tornou ingovernável, tantas são as bocas a alimentar. O que se verifica é que o chamado presidencialismo de coalizão é absolutamente ineficaz para garantir a governabilidade. Eu o chamaria de presidencialismo de balcão. "Façam a sua oferta, senhores!".
- Tem toda a razão, caro amigo. Como já fiz uma alusão sobre o assunto, podemos nos aprofundar um pouco mais na questão dos estamentos que nos asfixiam, em relação ao qual o governo é um barco à deriva em meio a mar revolto, ora salvo por um deles e perseguido pelos demais, invertendo-se a situação vezes em seguida. É tudo uma questão de preço, seja em dinheiro mesmo, seja pelo poder inerente à conquista do governo das estatais, na sua maioria um descalabro completo.
- É terrível isso, afirmou ***º§'**.
- Isso mesmo, redargui eu. Em seguida colocam-se os múltiplos estamentos políticos, nas esferas Federal, estadual e municipal, nas quais o que muda é tão somente o tamanho das pressões contra o estamento governamental e o constituído pelo Judiciário. Neles o dinheiro fala muito forte, como moeda de troca, que tem nas chamadas emendas parlamentares e no fundo partidário as mais importantes fontes. De um lado, os políticos precisam mostrar serviço para os seus eleitores locais, buscando eleição ou reeleição (uma deturpação nascida do fato de que o Brasil não adotou o sistema distrital misto), onde também opera a cooptação dos poderes locais a partir dos prefeitos. De outro lado, como ninguém é de ferro, algum troquinho pessoal tem sido revelado, conforme as manifestações dos tribunais de contas e as cobranças do ministro Dino, inimigo jurado número um desses estamentos, o que é notório. Dessa maneira, o orçamento governamental sofre ataques diuturnos, tendo sido quase que completamento capturado.
- Do meu lado, disse meu amigo ET, não conheço lugar em qualquer galáxia que eu tenha visitado na qual esse modelo (digamos assim) funciona.
- É trágico, confirmei. Mas o estamento Judiciário também se mostra muito ativo, na defesa corporativa do status quo e de ganhos progressivos; e na proximidade marcante e inaceitável com os demais estamentos, inclusive o econômico, a respeito do qual eu não havia me referido até agora, que ficou mais do que evidente no caso do Banco Master. E quando eventualmente o Judiciário se volta contra um estamento no exercício de sua função judicante (a esse respeito algumas vezes considerado como abuso, com ou sem razão), ele sofre represálias ou tentativas de represálias, a mais comum por meio de ameaças do impeachement de ministros do STF, mediante propostas de mudança na CF/88, o que valeu pronta resposta do ministro Gilmar Mendes, como sabemos. E o jogo assim corre, sendo as vítimas de sempre a sociedade civil, manietada por um regime político maleficamente poderoso e inamovível.
- Dileto professor Verçosa, vejo que tal regime somente poderia mudar com uma nova Constituição, construída de forma livre e efetivamente democrática, missão mesmo impossível. Mas foi precisamente para montar uma blindagem segura que o Vorcaro procurou amealhar relações dentro de estamentos considerados eficazes para os seus fins que, ao fim e ao cabo, não conseguiram exercer o papel deles espelhado. Isso porque o dono do Master forçou demasiadamente a corda com a sua fome pantagruélica, muito além do que ela aguentava. E a proximidade de ministros do STF com, por sua vez, a proximidade de pessoas ligadas ao caso Master, já suscitou suspeitas relacionadas à questão da independência do julgador, seja pela famosa viagem de jatinho do ministro Toffoli, seja porque ele decretou sigilo absoluto do processo envolvendo aquele Banco. Isso provocou uma reação do ministro Facchin, que acenou com a adoção, de um manual de comportamento dos ministros do STF14. Percebe-se que esse estamento não é monolítico, como também os demais, valendo a letra daquela antiga canção que diz "tu no teu cantinho e eu no meu".
- Prezado ***º§'**, a conversa está sendo muito agradável e esclarecedora, mas podemos pensar em outros temas ligados à quebra do Master. Há uma novidade, que foi a mudança do regime de segredo de justiça para o de sigilo máximo, determinado pelo ministro Dias Toffoli em atendimento a pedido de defesa do Vorcaro. A alegação foi no sentido de que o processo de investigação poderia ficar prejudicado15. Como se percebe, há uma tensão entre o direito de defesa e o interesse público quanto ao conhecimento dos fatos em jogo, muitos deles verdadeiramente escabrosos. Como deve haver muita gente desejosa de se esconder nas sombras, então essa medida veio muito bem a calhar, mas ela se tornou verdadeiramente incompreendida. Sabe-se que houve a tentativa de se instalar uma CPI para investigação do caso, cujo pedido não alcançou a quantidade de assinaturas necessárias16.
- Há um último ponto que eu desejaria abordar. Teriam os dirigentes do Master praticado algum ilícito, especificamente quanto à negociação de títulos com rendimentos muito superiores aos do mercado, atrelada à promessa da cobertura do FGC?
- Muito boa a sua indagação, que está no cerne dos problemas daquele banco. Veja, ***º§'**, os juros praticados no mercado são de taxas livres. Elas devem levar em conta na sua fixação alguns elementos básicos como o prazo da operação, o perfil do cliente, o seu valor, o tipo de garantia oferecida etc. O problema desse caso se coloca dentro de uma equação muito simples: para que os juros de 140% do CDI pudessem ser pagos, o banco precisaria aplicar os valores recebidos dos clientes a taxas muito mais elevadas, de maneira a pagar os custos e ter o seu lucro. Quais as razões operacionais para a adoção de tal estratégia ainda não foram apuradas, mas me parece que se somaram a volúpia de um crescimento muito rápido e a necessidade de pagamento de obrigações a vencer, derivadas de gestão perigosa.
- Mas professor Verçosa, nesse caso, a mesma equação mostraria que o tomador de crédito com juros tão elevados seria daquele tipo de desesperado, que não teria condições de conseguir crédito mais barato em outra instituição. Assim, se criou uma situação de risco moral.
- Precisamente, risco moral dos dois lados. Do banco ao entrar em operações altamente duvidosas com promessa relativa de responsabilidade de terceiro - o FGC - e o cliente, que se revelou muito burro ou consciente da dificuldade futura de honrar a sua obrigação e mesmo assim a assumiu. Agora, a possibilidade de ilícito se coloca no plano administrativo, em relação ao qual o mecanismo feria os parâmetros de boa técnica bancária, na medida da elevação expressiva do grau de risco de inadimplemento envolvido; e eventualmente também no plano penal, a respeito do qual não me parece estar presente o estelionato, por exemplo. Neste caso talvez se possa pensar na caracterização de gestão temerária, inerente a operações de alto risco de inadimplemento. E, de acordo com a lei, tal crime é de configuração ou objetiva, independente de dolo ou culpa, caracterizada no art. 4º da lei 7.492/1986. Para que o tipo de considere completado basta provar à luz do caso concreto tratar-se de ato de gestão fora dos padrões de mercado, dentro de um quadro de risco anormal ou, mesmo, de incerteza. Vamos ver o que as apurações no âmbito criminal nos mostrarão.
- Professor Verçosa, eu penso da mesma maneira, disse ***º§'**. A responsabilidade na gestão de um banco se apresenta de forma muito mais sensível do que a de uma empresa de outra natureza.
- Bem, caro ***º§'** acho que falamos demais. A hora do jantar está chegando. Vamos ver o que a D. Almerinda nos preparou, ficando desde previsto um próximo encontro nosso, tantos são os assuntos aos quais ainda não nos referimos. Por aqui eu lhe desejaria Bom Natal e Feliz Ano Novo, não sei quantos está contando neste momento, sabedor que desta vez muita gente graúda não o passará em paz, pois há muitas espadas de Dâmocles sobre as suas cabeças.
- Vale, professor Verçosa. Vamos ao jantar!
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1 Cf. Joana Cunha e Júlia Moura, in "Vorcaro Ostentou festa e jatinho e construiu conexões em Brasília e na Faria Lima", in Jornal Folha de São Paulo, de 17.11.2025
2 Idem, ibidem.
3 Cf. "Quem é Karolina Trainotti, sugar baby que ganhou apartamento de Vorcaro", in UOL de 08.12.2025.
4 Cf. matéria do G1Nacional de 23.11.2025.
5 Cf. Rafaela Gonçalves, in "Investigação de Fraude é ampliada", Jornal Correio Brasiliense de 22.11.2025
6 Cf. "Aliado de Alcolumbre fez fundo aportar R$ 400 milhões no banco Master", por Bernardo Mello, in "Brasil 247, de 21.11.25.
7 Cf. "Advogado protocola pedido de impeachement de Ibaneis pelo Caso Master", in Revista Carta Capital on line - SP, 19.11.25.
8 Cf. "Antes tarde do que nunca", por Malu Gaspar, in "O Globo", de 20.11.25).
9 Cf. "Alvo da PF, banco Master contratou empresas de Moraes", in Diário do Poder, de 18.11.2025; "Ministro banqueirófilo pode julgar banqueiro", por Conrado Hübner Mendes", in Jornal Folha de São Paulo, de 21.11.2025; "Operação Compliance Zero - Redes de contatos em Brasília, o maior investimento de Vorcaro", por Thiago Bronzanato, in Jornal O Globo, de 21.11.2025.
10 Idem, ibidem.
11 Cf. "Banco Master: Galípolo diz que BC identificou irregularidades, mas que cabe à PF e ao MPF investigarem suspeitas de crimes", por Thais Barcellos, in "O Globo", de 25.11.25.
12 Cf. "Aporte em clínica inflou patrimônio e elevou risco", in "O Estado de São Paulo", de 20.11.25.
13 Cf. "Empresa que originou créditos foi criada um mês antes de contrato", por Mariana Andrade e Leonardo Godim, in Valor Econômico de 20.11.2025.
14 Cf. Ivo Gadelha in "Fachin propõe "código de conduta para STF e irrita outros ministros", In "Metrópoles" de 08.12.2026.
15 Cf. "Toffoli põe pedido da defesa de Vorcaro, do Master, em sigilo máximo", in Portal UOL, de 02.12.2025.
16 Cf. "Congresso caladinho sobre o Master", por Vinicius Torres Freire, in Folha de São Paulo, de 20.11.2025.
Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.



