Impeachment de ministros do STF
Análise da lei 1.079/50, sua solidez histórica e os impactos institucionais das recentes controvérsias sobre o impeachment de ministros do STF.
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
Atualizado às 10:21
A lei que rege o impeachment de autoridades é a 1.079/1950 sancionada na era Vargas.
Todas as leis daquela época primam pela clareza e perfeição, não sendo exagero afirmar que as melhores leis são as sancionadas pelo presidente Getúlio Vargas que introduziu o voto das mulheres, a consolidação das leis do trabalho, o estatuto básico das desapropriações, decreto-lei 3.365/41 vigente até hoje sem que nenhum de seus 43 artigos tivesse sido questionado quanto à sua constitucionalidade.
A tentativa de complicá-la pelo legislador palaciano, por via de MP, restou rejeitada pelo Congresso Nacional que preferiu o caminho da caducidade pelo decurso do tempo.
Dessa forma, o decreto-lei 3.365/41 continua sendo aplicado até hoje propiciando julgamento rápido, sem filigranas processuais.
A outra lei da era Vargas é a 1.079, de 10/4/1950, que disciplina o processo de impeachment.
Essa lei estatui hipóteses taxativas de condutas que configuram crime de responsabilidade que atua no campo das infrações político-administrativas apesar do nomen iuris.
Essa lei 1.079/50 separa didaticamente o processo de impeachment contra o presidente da República e ministros do Estado (arts. 14 a 38) das hipóteses de crime de responsabilidade dos ministros do STF e do procurador Geral da República, capitulados no art. 39, 39A e 40, respectivamente.
No que tange às infrações cometidas pelos ministros do STF o processo e julgamento pelo Senado Federal é regido pelos arts. 41 e 41-A conferindo a todo cidadão a legitimidade para denunciar os ministros (art. 41).
Em seus 75 anos de vigência essa lei 1.079/50 jamais teve qualquer um de seus dispositivos questionados.
Ela foi aplicada com sucesso no afastamento do então presidente Collor de Mello e da então presidente Dilma Rousseff, esta em sessão presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski que fatiou a pena, isto é, declarou a perda do mandato, mas manteve os direitos políticos da pessoa sancionada.
O que a lei 1.079/50 prevê é a pena única, ou seja, perda do mandato seguida da perda de seus direitos políticos. Fatiar a pena poderia implicar perda dos direitos políticos, mas com a preservação do mandato. Por que o contrário não seria possível juridicamente? É a tese do paralelismo!
Pois bem, essa escorreita lei foi alvo de decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que declarou a sua caducidade parcial, exatamente, no trecho que cuida do impeachment dos ministros do STF.
Segundo o entendimento do ministro Gilmar Mendes o trecho da lei que confere legitimidade ao cidadão para requerer o impeachment do ministro do STF teria caducado em face da superveniência da CF/88.
Para não deixar sem um legitimado para deflagar o processo de impeachment sua excelência acrescentou que a representação para abertura do processo cabe exclusivamente ao procurador Geral da República que não está contemplado no texto normativo.
Dessa maneira o ministro Gilmar Mendes legislou duas vezes. Uma vez abolindo a representação do cidadão; outra vez pinçando o procurador Geral da República, sem qualquer representatividade popular, como única autoridade para denunciar os ministros do STF.
Ora, se todo poder emana do povo que o exerce diretamente, por meio de seus representantes eleitos (parágrafo único do art. 1º da CF), retirar a competência do cidadão para instaurar o processo de afastamento da autoridade judiciária que cometeu o crime de responsabilidade capitulado na lei 1.079/50 não faz o menor sentido. Pior, ainda, conferir a competência para o titular de cargo nomeado pelo governo.
A decisão do ministro Gilmar Mendes não foi bem recebida por seus pares e também gerou reação imediata do Senado Federal, o que fez com que o ilustre ministro revogasse a sua monocrática decisão.
Mas, o estrago já estava feito.
O Senado Federal iniciou imediatamente a deliberação do PL 1.388/23 de autoria de Rodrigo Pacheco que propõe alterações na lei 1.079/50 que além de ampliar as autoridades sujeitas ao impeachment fixa prazo de conclusão do processo e amplia a possibilidade de denúncia não apenas pelo cidadão, como também por partidos políticos, entidades de classe e pela OAB representada pelo seu presidente atuando como cidadão.
Apesar de revogada a decisão seletiva do ministro Gilmar Mendes nada sinaliza que aquela Alta Casa Legislativa irá arquivar o PL 1.388/23 que continua tramitando.
Concluindo, a liminar do ministro Gilmar Mendes, ainda que posteriormente revogada, acabou piorando a situação dos ministros do STF no que tange as pessoas legitimadas a apresentar denúncias contra eles.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.


