A resolução que obriga o rebranding fintechs no Brasil
Como a resolução conjunta 17/25 mexe com a identidade do sistema financeiro brasileiro e se adequa a novo padrão de transparência.
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
Atualizado às 10:22
Aplicativos coloridos e fáceis de usar, linguagem jovem e a mensagem de que aquele é "seu novo banco digital": durante anos, milhões de brasileiros usaram apps com a promessa de simplicidade e serviços similares aos de um banco tradicional. Na prática, porém, muitas dessas empresas não são bancos, mas IPs - instituições de pagamento, SCDs, SEPs ou fintechs operando em arranjos complexos de parcerias e modelos de BaaS - Banking as a Service. A confusão, alimentada por estratégias de branding e comunicação, diluíam os limites entre o que é banco e o que apenas parece um. Isso porque, legalmente, essas instituições não operam sob o mesmo regime fiduciário de um banco e não têm o mesmo nível de compliance contra fraudes, falhas operacionais nem suspensão de saques.
Essa zona cinzenta chegou ao fim com a resolução conjunta 17/25. Publicada pelo CMN - Conselho Monetário Nacional e o Bacen - Banco Central no final de novembro, a norma estabelece novas regras para nomes empresariais, marcas, domínios e linguagem de apresentação ao público. Em resumo: só pode usar "banco" no nome (ou variações como "bank" e "banq") a instituição que tenha oficialmente licença bancária.
Até então, o Brasil vinha enfrentando uma espécie de "crise de identidade" no sistema financeiro, criando no consumidor uma percepção inexistente de nível de risco, autorização e proteção. Esse alerta já havia sido feito em relatórios internacionais, como o FSAP - Programa de Avaliação do Setor Financeiro, de 2018, que apontava a ambiguidade terminológica como risco de conduta. Já o Comitê de Basileia recomendou, em seu princípio 4, que o termo "banco" fosse reservado exclusivamente a instituições com autorização plena.
A nova resolução alinha o Brasil às melhores práticas globais. E, assim, fintechs, IPs, SCDs e SEPs que hoje operam sob nomes como "AnyBank", "BanqX" ou "MeuBanc" terão de rever sua identidade. A proibição abrange razão social, comunicação, redes sociais, aplicativos, campanhas publicitárias e até o domínio usado para e-mails e mensagens enviadas aos clientes.
Além disso, o nome empresarial passa a precisar refletir claramente o objeto da autorização. Uma SCD - Sociedade de Crédito Direto, por exemplo, terá de explicitar isso em sua comunicação, evitando qualquer confusão com bancos.
Outro ponto sensível é o modelo BaaS e as parcerias com empresas não reguladas. Muitas soluções white label criaram ecossistemas opacos, em que o consumidor não sabe quem é o verdadeiro responsável pela operação. Agora, a instituição regulada passa a ter dever explícito de não contratar parceiros que utilizem nomenclatura em desacordo com a norma (exceto se tais parceiros se enquadrarem nas exceções previstas no §2º do seu art. 8).
Varejo, cooperativas e cripto entram no radar
Redes de varejo que se apresentam como "Varejo Bank", quando, na verdade, dependem de uma instituição parceira para conceder crédito ou emitir cartões, também serão impactadas pela resolução. Agora, o varejo poderá manter seus produtos financeiros, mas terá de deixar claro ao consumidor quem assume o risco e qual entidade está por trás de cada solução.
Já as cooperativas de crédito foram tratadas de modo específico: poderão usar as marcas dos grandes sistemas cooperativos a que pertencem (Sicredi, Sicoob, Cresol, Unicred, entre outros), desde que a vinculação seja real e formalmente estruturada.
A norma também dialoga com o movimento regulatório recente que elevou o padrão de compliance dos prestadores de serviços de ativos virtuais. Com as resoluções 519, 520 e 521 do Bacen, as plataformas de cripto precisarão diferenciar, com precisão, o que é serviço financeiro tradicional, o que é pagamento e o que é operação com tokens e moedas voláteis. Assim, o cliente precisará saber quando está protegido por regras bancárias e quando está entrando no universo de ativos de risco elevado, como é o universo dos criptoativos.
Prazos, penalidades e riscos reputacionais
A resolução 17/25 entrou em vigor em 28 de novembro e, em até 90 dias, instituições que não precisam mudar marcas devem apenas comunicar sua conformidade ao Bacen. As demais têm 120 dias para apresentar um Plano de Adequação detalhado, com etapas e cronograma de alterações.
Ao todo, as instituições têm até novembro de 2026 para concluir a troca da razão social e os ajustes nas parcerias.
Cada descumprimento pode levar a sanções previstas na lei 13.506/17, além de consequências reputacionais e potenciais questionamentos por vício de informação ou publicidade enganosa, especialmente em um ambiente de redes sociais e cultura do cancelamento que amplificam crises em minutos.
Para fintechs, que construíram sua narrativa em oposição aos bancos tradicionais, o desafio agora é reposicionar a comunicação, educar o cliente sobre o que significa ser IP, SCD ou SEP e explicar diferenças de risco e garantias. Já os modelos BaaS e varejistas precisarão reestruturar parcerias e deixar completamente transparente quem é a instituição regulada por trás das operações.
O momento exige projetos internos de alta prioridade: revisão de apps, domínios, materiais de venda, scripts de atendimento, contratos e comunicação institucional.
A boa notícia é que a resolução não inibe a inovação. Pelo contrário: cria um ambiente mais claro, mais seguro e mais alinhado às melhores práticas internacionais. Quem agir rapidamente, com jurídico, compliance, marketing e tecnologia na mesma mesa, sairá mais forte desse processo.
Helio Ferreira Moraes
Sócio da área Digital do PK Advogados, este profissional traz uma sólida formação em Direito (1995) e Engenharia Eletrônica (1990) pela USP. Sua atuação é reforçada por uma LLM Binacional em LGPD & GDPR, obtida no Brasil e em Portugal. Reconhecido por sua expertise, co-coordena a Comissão de Tecnologia da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC) e é vice-coordenador do Comitê de Tecnologia e Sociedade do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE). Como autor, publicou "Privacidade e proteção de dados pessoais" (ed. Senac, 2024), livro-texto do curso de especialização em LGPD do SENAC. Sua experiência acadêmica é vasta, atuando como professor no MBA USP/Esalq, em cursos de LGPD no IBDEE e de DREX na LEC, além de ser treinador credenciado pela Exin em módulos de privacidade.


