MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Direitos humanos, execução penal e tecnologia, uma nova fronteira para a ressocialização

Direitos humanos, execução penal e tecnologia, uma nova fronteira para a ressocialização

Análise do Direito Penal que defende a execução da pena humanizada, orientada pelos direitos humanos e pela tecnologia como meio de ressocialização.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Atualizado às 14:13

O Direito Penal contemporâneo enfrenta o desafio de compatibilizar a repressão estatal à criminalidade com a proteção da dignidade da pessoa humana em todas as fases do sistema de justiça.

Se o processo penal tem como finalidade apurar responsabilidade e punir o infrator, a execução penal orienta a reconstrução do indivíduo, reafirmando o compromisso constitucional e humanista de que a pena deve promover transformação, e não degradação.

Aliás, vale desde já advertir, que em um Estado Democrático de Direito, o Estado não vinga, pois, ao perseguir o homem que cometeu um crime para puni-lo, o que se está realizando é a própria justiça, que pode ser retributiva, mas jamais vingativa.

Essa distinção entre as etapas no sistema penal, deve ser sempre observada, inclusive quanto à vocação dos agentes do Estado encarregados dessas etapas.

Assim, na etapa da persecução penal que visa a apuração da materialidade e da autoria do delito, o objetivo é condenar o indivíduo que cometeu um crime. Já na etapa da execução penal, o objetivo é, ao se impôr o cumprimento da pena, recuperar o homem, mudando totalmente o escopo estatal, que passa da aplicação da resposta com a condenação, para a execução da pena que deverá resgatar o homem para que não volte a delinquir.

Os objetivos da pena reforçam esse sentido, posto que a pena tem efeito de prevenção geral e especial. Na prevenção geral, se destina a servir de exemplo, para que o condenado, em tese, seja um modelo de comportamento a ser evitado, pois quem comete um crime será punido. Esta finalidade visa a dissuadir qualquer homem do cometimento de um crime.

Já na prevenção especial, o foco é o próprio condenado, para que ele seja desestimulado a reiterar em sua conduta criminosa, convencido de que não deverá reincidir, mostrando a ele que existem outras formas de se conduzir em sociedade, acatando os limites da lei.

A CF/88 e os tratados internacionais de Direitos Humanos estabelecem que o cumprimento da pena deve ocorrer sob condições compatíveis com a integridade física, moral e psicológica do sentenciado.

A execução penal jamais deverá representar o prolongamento do sofrimento, mas o início de uma nova etapa na vida do condenado, na qual o Estado tem o dever de oferecer meios concretos para a sua ressocialização. A pena, neste sentido, deixa de ser uma resposta meramente retributiva e passa a assumir função social, preventiva e humanizadora.

Nessa etapa da execução penal, ganha maior relêvo a necessidade da observância da dignidade da pessoa humana, pois, não é porque alguém cometeu um crime, que ao ser condenado, perde seus direitos humanos e sua dignidade, primados constitucionais inalienáveis.

É nesse cenário, que a tecnologia surge como um instrumento eficáz, tanto para a efetividade do cumprimento da pena de forma justa, com fiscalização adequada, como para a ressoacialização do condenado. Vale dizer, a tecnologia auxilia o Estado e o próprio condenado.

Trata-se, pois, de um elemento estratégico para qualificar a gestão prisional, organizar fluxos, reduzir arbitrariedades e ampliar oportunidades educacionais e profissionais. Sistemas informatizados permitem controle transparente das condições carcerárias, acompanhamento das progressões de regime, registro de trabalho e estudo, e fiscalização mais eficiente dos direitos assegurados na lei de execução penal.

Por outro lado, a utilização de algoritmos e bases de dados estruturadas possibilita avaliações individualizadas, tornando a execução mais justa, mais pessoal, mais individualizada e menos sujeita à discricionariedade.

Assim, a educação digital representa outra inovação transformadora, com as plataformas de ensino à distância, que permitem o acesso a cursos de qualificação profissional, formação técnica e até ensino superior, mesmo em unidades prisionais com estrutura limitada. O aprendizado em informática, programação e suporte tecnológico amplia as perspectivas de inserção no mercado de trabalho e contribui decisivamente para a redução dos índices de reincidência.

O monitoramento eletrônico (tornozeleira), quando empregado com rigor jurídico, também evita encarceramentos desnecessários e permite ao apenado manter vínculos familiares e comunitários, fatores reconhecidos pela criminologia como essenciais para a recuperação social.

A tecnologia fortalece, portanto, a capacidade do Estado de fiscalizar e acompanhar o condenado, sem abrir mão do respeito, da proporcionalidade e da humanidade que devem estar presentes nessa fase de execução penal.

A convergência entre Direitos Humanos, execução penal e tecnologia aponta para um modelo penal mais eficiente, mais transparente e mais comprometido com a dignidade humana. Punir continua sendo necessário, mas recuperar é indispensável. Em um Estado Democrático de Direito, insiste-se, a justiça não se mede pela severidade das penas, mas pela capacidade de transformar vidas e promover segurança duradoura. A execução penal, quando iluminada pelos Direitos Humanos e impulsionada pela tecnologia, cumpre sua verdadeira missão, que é de oferecer uma oportunidade de recomeço e fortalecer a paz social, objetivo maior da justiça.

Luiz Flávio Borges D'Urso

Luiz Flávio Borges D'Urso

Advogado criminalista do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, presidente da OAB/SP por três gestões, conselheiro Federal da OAB, presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM).

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca