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Juros reflexos e a eficácia preclusiva da coisa julgada: Uma análise do REsp 2.145.391/PB e seus impactos no sistema Judiciário brasileiro

O STJ pacifica que juros reflexos sobre tarifas bancárias ilegais não podem ser pleiteados novamente, fortalecendo a coisa julgada e a previsibilidade processual.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Atualizado às 14:15

O presente artigo tem por objetivo examinar o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 2.145.391/PB, afetado sob o rito dos recursos repetitivos e que originou o Tema 1.268. A controvérsia, recorrente no contencioso bancário, envolve os chamados juros reflexos, isto é, os juros remuneratórios incidentes sobre tarifas posteriormente reconhecidas como ilegais ou abusivas. A discussão ganhou relevância num cenário em que o Judiciário busca equilibrar o amplo acesso à justiça com a necessidade de segurança jurídica e racionalidade processual, especialmente diante do elevado número de ações que tratam da legalidade de tarifas e encargos bancários.

Esse cenário contribuiu para a formação do precedente firmado pelo STJ no REsp 2.145.391/PB, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.268), no qual se fixou a tese de que a eficácia preclusiva da coisa julgada impede o ajuizamento de nova ação para pleitear a restituição de juros remuneratórios incidentes sobre tarifas bancárias já declaradas ilegais ou abusivas em demanda anterior.

A relevância do tema foi tamanha que motivou a admissão da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos como amicus curiae, reconhecendo o impacto sistêmico da controvérsia sobre o contencioso bancário nacional e reforçando a necessidade de uniformização interpretativa para evitar decisões conflitantes.

O STJ afirma que a coisa julgada não se restringe apenas ao que foi expressamente decidido na sentença, mas abrange também as questões que poderiam ter sido deduzidas e discutidas no processo original, desde que vinculadas à mesma causa de pedir. No caso dos juros reflexos, a causa de pedir é a ilegalidade ou abusividade das tarifas, de modo que o pedido de restituição dos juros sobre elas incidentes integra logicamente o mesmo contexto jurídico. Assim, não cabe ao consumidor promover uma nova ação para discutir parcelas derivadas de uma relação jurídica já apreciada e estabilizada pela jurisdição.

Como bem destacou o ministro Antônio Carlos Ferreira, a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal, conforme o art. 184 do CC. Assim, a declaração de ilegalidade das tarifas bancárias, por força do princípio da gravitação jurídica, atrai consigo a imutabilidade das obrigações acessórias a elas vinculadas, como os juros remuneratórios. A aplicação desse princípio, conforme ressaltou o ministro, assegura coerência lógica à eficácia preclusiva, pois impede que o acessório seja objeto de nova controvérsia quando a questão principal já foi definitivamente decidida.

A prática reiterada de ajuizar ações autônomas para discutir os juros remuneratórios incidentes sobre as tarifas já julgadas revela um problema de fundo: a fragmentação de demandas. Sobre o tema, o ministro apresenta a seguinte tese:

"Ressalte-se, outrossim, que a fragmentação de demandas relacionadas à mesma relação jurídica obrigacional tem o potencial de configurar exercício abusivo do direito de ação, além de resultar em artificial e significativo aumento do volume processual, com possibilidade de impacto importante na gestão das unidades jurisdicionais e na célere prestação jurisdicional."

A fragmentação de demandas foi observada de forma emblemática na Paraíba, onde se verificou grande volume de ações autônomas voltadas a discutir juros remuneratórios incidentes sobre tarifas já declaradas ilegais. Esse padrão gerou acúmulo de processos semelhantes e erros de recálculo na fase de cumprimento de sentença, especialmente pela tentativa de reinscrição de valores já ressarcidos. Situação semelhante, contudo, também se repete em outros estados, o que evidencia a relevância nacional da tese firmada pelo STJ e a necessidade de uniformização do tratamento jurídico da matéria.

Antes da afetação do tema repetitivo, havia uma divergência jurisprudencial dentro do próprio STJ. Enquanto a 3ª turma chegou a admitir o ajuizamento de nova ação para discutir os juros remuneratórios, a 4ª turma entendia pela ocorrência de coisa julgada. A 2ª Seção, ao julgar o REsp 2.145.391/PB e unificar o entendimento, pacificou a controvérsia, reforçando a lógica do sistema de precedentes previsto no art. 927, inciso III, do CPC. A tese firmada, e não apenas o acórdão específico, orienta a interpretação uniforme da matéria em todo o território nacional, conferindo previsibilidade, coerência e eficiência ao sistema jurídico.

Ao estabelecer a eficácia preclusiva da coisa julgada como instrumento para coibir tais práticas, o Tribunal reforçou princípios estruturantes do processo civil contemporâneo, como a boa-fé processual, a cooperação e a economia processual. Quando o jurisdicionado tem a oportunidade de formular todos os seus pedidos em uma única demanda e não o faz, assume o risco de ver preclusa a possibilidade de rediscutir posteriormente aspectos que poderiam ter sido examinados na mesma causa. Em última instância, trata-se de preservar a autoridade da coisa julgada e evitar a perpetuação de litígios.

O ministro complementa:

"Deve ser referido que esta exegese não implica restrição do acesso à Justiça pelo cidadão, erigida a garantia constitucional pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, o acesso à Justiça é garantido de maneira ampla àqueles que entendem que a contratação efetuada contém cláusulas que lhe prejudicam, seja pela  ilegalidade ou abusividade, e podem buscar o Judiciário para que analisem o instrumento e as cláusulas nele insertas em sua integralidade. O conflito, portanto, é submetido ao Poder Judiciário, que deve pronunciar-se sobre sua resolução, e o fato de se tornarem imodificáveis suas conclusões não vulnera a salvaguarda constitucional."

Outro aspecto relevante é o fortalecimento da previsibilidade judicial. A clareza quanto aos limites da coisa julgada confere estabilidade às relações contratuais e contribui para um ambiente jurídico mais equilibrado entre consumidores e instituições financeiras.

Em síntese, o julgamento do REsp 2.145.391/PB representa passo importante na racionalização do contencioso bancário, ao reafirmar a importância da coisa julgada e coibir o fracionamento indevido de demandas. A decisão fortalece a segurança jurídica, evita litígios repetitivos e contribui para a construção de um ambiente processual mais estável e eficiente.

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Referências

Superior Tribunal de Justiça. REsp 2.145.391/PB. Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. Julgado em 15 set. 2025. Tema 1.268 dos Recursos Repetitivos. Link: STJ - Precedentes Qualificados

JUSBRASIL. Reflexo de Juros Remuneratórios sobre Tarifas. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=reflexo+de+juros+remunerat%C3%B3rios+sobre+tarifas. Acesso em: 15 out. 2025.

André Felipe de Lucena Maciel

André Felipe de Lucena Maciel

Sócio coordenador no Urbano Vitalino Advogados.

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