Crédito rural: Precedente inédito TJ/GO dispensa garantia
Precedente inédito: Dispensou a garantia integral do art. 919, §1º do CPC e concedeu tutela de urgência (art. 300), assegurando a função social da atividade rural e o direito ao alongamento da dívida.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
Atualizado às 13:32
A 10ª Câmara Cível do TJ/GO, em um julgamento de vanguarda que deve ecoar por todo o setor produtivo, proferiu decisão histórica ao reconhecer a possibilidade de suspensão da exigibilidade de dívidas rurais e dos atos expropriatórios, independentemente da prévia garantia do juízo.
O acórdão, proferido no agravo de instrumento 5.847.144-49 sob relatoria do desembargador Wilson Safatle Faiad, acolheu a tese de que as normas cogentes do MCR - Manual de Crédito Rural e a prova técnica da quebra de safra se sobrepõem à rigidez processual da execução.
Trata-se de um precedente que traz um alento significativo para o campo. Ao dispensar a garantia integral prevista no art. 919, §1º do CPC para conceder o efeito suspensivo via tutela de urgência (art. 300 do CPC), o Tribunal validou uma interpretação moderna: a de que a função social da atividade rural e o direito subjetivo ao alongamento não podem ser aniquilados pela burocracia da penhora.
A tempestade perfeita
A controvérsia nasceu de um cenário infelizmente comum, mas de gravidade ímpar: a "tempestade perfeita" enfrentada por produtores rurais entre as safras de 2019 e 2024. Não bastasse a severidade climática, que impôs perdas estruturais de produtividade superiores a 85% em culturas essenciais, o produtor viu-se asfixiado por uma onerosidade financeira excessiva.
Auditorias periciais revelaram a imposição de encargos que desafiam a jurisprudência, incluindo juros remuneratórios acima do teto legal e retenção indevida de garantias. Diante desse quadro, a recusa da instituição financeira em processar o alongamento da dívida (securitização) não configurou apenas um rigor contratual, mas um ato que viola o direito subjetivo consolidado na súmula 298 do STJ.
A força da prova técnica e a inversão da mora
Um dos pontos nevrálgicos deste acórdão é o reconhecimento expresso de que o direito ao alongamento pode ser exercido diretamente em juízo, sem a necessidade de exaurimento da via administrativa. O Tribunal afastou interpretações restritivas, reafirmando que o MCR exige apenas a comprovação da incapacidade de pagamento por fatores adversos.
Nesse sentido, sustentamos a tese da Exceptio Non Adimpleti Contractus - Exceção do Contrato Não Cumprido: ao negar o alongamento obrigatório previsto no MCR 2-6-4 diante de prova técnica robusta, o banco incorreu em mora accipiendi (mora do credor). Assim, a instituição financeira carece de legitimidade para exigir o pagamento imediato (execução) enquanto não cumprir sua obrigação legal de readequar o cronograma de reembolso.
A viabilidade econômica como lastro
Inovando na demonstração de solvência, a defesa apresentou ao Judiciário a própria viabilidade futura do negócio através de um contrato de fornecimento futuro (offtake) de cana-de-açúcar.
Embora o Tribunal tenha realizado a necessária distinção técnica entre a garantia processual típica e a prova de solvência para fins de tutela de urgência, a decisão acaba por validar a premissa de que a preservação da capacidade produtiva assegura a satisfação do crédito de forma mais eficaz do que a expropriação imediata.
Em suma, o precedente reafirma que o Poder Judiciário está atento à realidade do campo. A suspensão das execuções sem a exigência de garantia integral representa o restabelecimento do equilíbrio contratual e da legalidade estrita no Sistema Nacional de Crédito Rural. Para o produtor, fica a certeza: quando a técnica jurídica traduz com fidelidade a realidade do campo, a Justiça cumpre seu papel de proteger quem produz.



