Controvérsias na tributação de lucros e dividendos para o exterior
As fragilidades normativas que tensionam princípios constitucionais, afetam decisões empresariais e estimulam a judicialização.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2025
Atualizado às 07:09
No dinâmico panorama tributário brasileiro, a recente lei 15.270/25 parte de uma reforma fiscal que busca maior equidade nas contas públicas, porém tem gerado controvérsias ao alterar regras para a tributação de lucros e dividendos.
A norma institui alíquota de 10% de IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte sobre valores remetidos ao exterior a partir de 2026, restringindo a isenção histórica prevista nas leis 9.249/95 e 9.250/95. Essa medida gera uma antecipação de tributo que pode ter caráter definitivo ou não, a depender do caso.
Além disso, para residentes brasileiros (apenas há tributação para a pessoa física), há tetos como R$ 50 mil mensais para isenção, mas remessas internacionais enfrentam restrições mais severas, sendo tributadas quase que indistintamente.
Ocorre que a nova legislação apresenta duas frentes de grande vulnerabilidade jurídica. A primeira, de ordem prática, tem gerado insegurança e preocupação, pois impõe condições bastante restritivas para a manutenção da isenção sobre os lucros e dividendos apurados até o ano-calendário de 2025, comprometendo a segurança jurídica e a própria lógica do direito societário e contábil brasileiro.
A intenção por trás dessas salvaguardas era, aparentemente, proteger direitos adquiridos e o princípio da irretroatividade tributária. No entanto, a forma como esses requisitos foram concebidos gerou uma verdadeira armadilha para as empresas, que estão em uma corrida contra o tempo para realizar procedimentos ad hoc e sem previsão específica na lei societária.
A lei das S.A.s (lei 6.404/76) e o Código Civil (art. 1.078) são claros que a aprovação de contas e deliberação sobre a distribuição de lucros deve ocorrer nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social. Ou seja, para o exercício de 2025, o prazo legal se estende até 30 de abril de 2026.
É contraditório e beira o inviável, salvo por meio de estimativas incertas, que uma empresa aprove a distribuição de lucros de um exercício (2025) antes mesmo que este se encerre, e antes que seus resultados sejam integralmente apurados, auditados e consolidados.
A deliberação prematura sobre os lucros apurados até dezembro de 2025, motivada pela necessidade de conformidade com a nova legislação fiscal, pode acarretar consequências adversas para a empresa. A antecipação de balanços pode não apenas gerar dificuldades operacionais e insegurança jurídica, devido a posteriores - e bastante possíveis - retificações e ajustes, mas também impactar negativamente o patrimônio líquido.
Além disso, a exigência de despender caixa para a distribuição forçada de lucros limita a capacidade de crescimento e de investimento, uma vez que as reservas da empresa seriam utilizadas para cumprir uma obrigação legal em vez de serem reinvestidas em suas próprias atividades.
O Poder Judiciário tem sido bastante compreensivo e afastado as exigências absurdas, em virtude do risco de danos irreparáveis, de modo que seja considerada válida, para fins da manutenção da isenção tributária, a aprovação realizada nos prazos e procedimentos estabelecidos pela legislação societária.
Para além dessa discussão, o segundo ponto a ser questionado desta legislação (lei 15.270/25), que possui efeito mais abrangente, reside na possível seletividade da tributação sobre remessas ao exterior, o que pode desequilibrar o tratamento entre contribuintes nacionais e estrangeiros, uma vez que a isenção se mantém para as distribuições de lucros/dividendos para pessoas jurídicas brasileiras, mas não para pessoas jurídicas situadas no exterior.
Os tratados contra a dupla tributação celebrados pelo Brasil são alinhados ao modelo da OCDE, de modo que contém cláusulas visando evitar a discriminação em situações específicas, como entre nacionais e pessoas (físicas ou jurídicas) no exterior). Trata-se de uma questão também de tratamento isonômico com relação ao capital estrangeiro e nacional, em potencial violação ao art. 150, II, da Constituição Federal.
Ora, a lei 15.270/25 colide com princípios constitucionais como a isonomia e a capacidade contributiva, tratando de forma desigual operações nacionais e internacionais. Tratados contra a dupla tributação proíbem ônus adicionais indevidos para estrangeiros (discriminação), e precedentes judiciais sugerem que exigências desiguais podem ser afastadas.
Essa tributação pode afetar o investimento estrangeiro direto, que caminha para que 2025 seja efetivamente um dos melhores resultados da série histórica do Banco Central do Brasil.
Setores com remessas regulares ao exterior, como serviços e tecnologia, enfrentam riscos de menor competitividade, diante do aumento da tributação nas remessas destinadas ao exterior.
Globalmente, o Brasil vai contra tendências de harmonização fiscal da OCDE, que visa combater a evasão fiscal por parte de grandes corporações e garantir que os lucros sejam tributados onde as atividades econômicas realmente ocorrem.
Nesse contexto, a edição da lei 15.270/25 pode desencorajar capitais estrangeiros que não possam compensar os prejuízos dela decorrentes, bem como reorganizar estruturas operacionais para mitigar esses efeitos.
A judicialização preventiva surge como estratégia viável para proteger interesses, principalmente em um contexto de incertezas normativas, em especial porque o equilíbrio entre arrecadação e segurança jurídica torna-se cada vez mais relevante para que se defina a atratividade do país, para fins de investimentos.
Beatriz Kikuti Ramalho
Advogada da área tributária no Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo.
Giovani Oliveira Baptista
Advogado da área tributária no Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo




