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Tributação de dividendos no regime do Simples Nacional

Análise crítica da tributação de dividendos que confronta a lei 15.270/25 com a Constituição e a LC 123/06, revelando tensões entre arrecadação, Simples Nacional e segurança jurídica.

terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Atualizado em 29 de dezembro de 2025 12:46

A lei 15.270, de 26/11/25, instituiu a tributação de dividendos superiores a R$ 50 mil mensais ou R$ 600 mil anuais, como medida de compensação da isenção do IRPF dos ganhos de até 5 mil reais mensais, com suposto fundamento no art. 14 da LRF.

Só que essa lei não observou os termos desse art. 14 estendendo a compensação para períodos que ultrapassam o triênio convolando, desta forma, a medida de compensação em aumento tributário permanente.

Feita essa introdução examinemos a tributação dos dividendos para empresas optantes do Simples Nacional.

O Simples Nacional tem fundamento constitucional nos dispositivos adiante transcritos:

"Art. 146. Cabe à LC:

[...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

[...]

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso dos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156-A, das contribuições sociais previstas no art. 195, I e V, e § 12 e da contribuição a que se refere o art. 239". (Redação dada pela EC 132, de 2023)

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País". (Redação dada pela EC 6, de 1995).

"Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei."             

O art. 146, III, d da CF submeteu o regime de tributação do Simples à LC.

E aqui é oportuno esclarecer que não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária.

O que existe é a reserva de lei complementar para os casos exigidos pela Constituição, tanto é que uma lei complementar extravagante pode ser alterada ou revogada por uma lei ordinária.

O dispositivo sob exame insere-se no campo de edição de normas gerais em matéria de legislação tributária de observância impositiva para as três entidades políticas componentes da Federação Brasileira.

Não se trata de lei complementar que atua no campo privativo da União.

O art. 170, IX da CF, por sua vez, determina o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, como um dos princípios informadores da ordem econômica.

Nem é preciso esclarecer que os princípios pairam acima das normas legais ou constitucionais.

Por fim, o art. 179 da CF determina em tom de comando que a União, os estados, o DF e os municípios dispensem às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Em obediência a essa determinação constitucional foi elaborada, aprovada e sancionada a LC 123, de 14/12/06, estatuto jurídico das micro e pequenas empresas, cujo art. 14 assim prescreve:

"Art. 14. Consideram-se isentos do imposto de renda, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário, os valores efetivamente pagos ou distribuídos ao titular ou sócio da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, salvo os que corresponderem a pró-labore, aluguéis ou serviços prestados.

§ 1º A isenção de que trata o caput deste artigo fica limitada ao valor resultante da aplicação dos percentuais de que trata o art. 15 da lei 9.249, de 26/12/1995, sobre a receita bruta mensal, no caso de antecipação de fonte, ou da receita bruta total anual, tratando-se de declaração de ajuste, subtraído do valor devido na forma do Simples Nacional no período.

§ 2º  O disposto no § 1º deste artigo não se aplica na hipótese de a pessoa jurídica manter escrituração contábil e evidenciar lucro superior àquele limite."              

Ante a lapidar clareza do art. 14 dessa lei complementar não há como pretender tributar os dividendos distribuídos aos sócios de microempresas ou empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional, com as ressalvas estabelecidas nos §§1º e 2º.

A lei que instituiu a tributação de dividendos a partir do ano base de 2026 é a de 15.270/25, ou seja, uma lei ordinária que não tem o condão de alterar a LC 123/06 editada em termos de norma geral da legislação tributária.

Há, pois, um impedimento formal de tributar os dividendos distribuídos pelas micro e pequenas empresas a seus sócios.

Por derradeiro, cumpre fazer algumas considerações críticas.

A primeira delas refere-se à exclusão do setor de prestação de serviços do regime isencional previsto de forma casuística no final do caput do art. 14 da lei: pró-labore, aluguéis ou serviços prestados.

Por que essa discriminação contra um setor que mais vem contribuindo para o aumento do PIB nacional? É a velha política de tributar mais onde rende mais, como aconteceu com a tributação pelo ICMS com alíquota de 25% incidente sobre os combustíveis e a energia elétrica contra os 18 % incidentes sobre as mercadorias em geral, invertendo o princípio da seletividade em função da essencialidade das mercadorias ou produtos.

E mais, o setor de comércio é tributado com alíquotas que vão de 4% a 19% e o setor industrial, com alíquota que variam de 4,50% a 30%, conforme anexos I e II, respectivamente, o setor de serviços é contemplado com três Anexos.

No anexo III referente à locação de imóveis e serviços aí mencionados, as alíquotas variam de 4,50% a 33% incidindo sobre 6 faixas de receitas brutas.

No anexo IV relacionado a outros serviços aí especificados de forma casuística, as alíquotas vão de 15,50% até 30% e incidindo, igualmente, sobre 6 faixas de receitas brutas.

Por fim, no anexo V pertinente aos serviços em geral, as alíquotas variam de 15,50% a 30,50% incidindo igualmente sobre 6 faixas de receitas brutas.

Dentre os onerados pelo anexo V incluem-se as sociedades prestadores de serviços intelectuais de natureza científica (advogados, economistas, contadores etc.) que, ao teor do parágrafo único do art. 966 do CC, não se caracterizam como empresários que exercem atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens e serviços com propósito especulativo.

A outra crítica à legislação do Simples é a sua complexidade com frequentes alterações legislativas de natureza casuística. Outrossim, suas normas fazem remissões a outras normas em tudo contribuindo para dificultar a visão panorâmica da LC 123/06.

A legislação do Simples Nacional transformou-se em uma colcha de retalhos com produção frequente de normas complexas  agravada com edição de normas complementares pelo Comitê Gestor revestido de função normativa, tudo na contramão do art. 179 da Constituição que determina a simplificação de obrigações tributárias e administrativas.

Infelizmente faz parte de nossa tradição legislativa a produção de normas prolixas, dúbias e confusas. O legislador não aceita nada que seja simples, lógico e racional. Exemplo disso está na regulamentação de IBS que contém mil normas sem que tenha definido com exatidão o fato gerador desse imposto, causando a insegurança jurídica que certamente irá decuplicar as lides forenses.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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