dr. Pintassilgo

Itapetininga

Eis que aqui estou, nobres migalheiros, depois de dia de árduo e hercúleo trabalho, assentado num galho de ipê, a repassar as minhas agruras, previstas, mas nunca bem-vindas.

Aqui no sul do Estado de São Paulo, vejam só, encontrei o desconexo, o absurdo, como se tivera visto um belo jardim, porém, com arames farpados que o rodeassem ; como se topara com imenso vidro, gélido, indiferente, daqueles que separam as mãos quentes e os olhos de desejo do motivo o qual aspiram.

Aqui, na bela Itapetininga, uma pomba foi ferida, e em agonia comovente, tombou inerte, mas valente.

Quando os adoradores desta terra me estenderam os braços, logo vi que o apelido de “Terra da Hospitalidade” não era algo cabotino. Não ! A população, de graciosidade ímpar, colocou-me debaixo de suas asas, como eu faria com os dotados de gentileza.

É uma terra de “Cultura e Cultura da Terra” como gostam de chamá-la.

Por que então, há de me perguntarem, estaria este doutorzinho tão indignado e soturno ?

Além do triste passamento da adorável pomba branca, que muito me encheu de angústia, aqui presenciei momentos não menos melancólicos.

Explico.

Ainda que estivesse preparado, como estou, com escudo e espada, para minha combativa peregrinação, ansiava por não ver a face do Dragão. Sabia de sua existência, mas rogava para que ele não mostrasse semblante tão horrendo. Ainda mais em tão belo reino.

Na atraente “Cidade das Escolas”, de povo acolhedor, vivi momentos de “Terra em transe”, de desacertos sociais, de algo que não se encaixa com realidade e necessidade. De algo que deveria ter ficado em tempos mais remotos de nossa esburacada História.

Na praça aberta, conferi várias pessoas ao léu, abandonadas a uma imprevisível e geniosa sorte, que parece não lhes dar sinais de muito apreço. Não é preciso, ainda bem, raças as mudanças e, acredito, podemos prescindir de uma “Tribuna da Imprensa”, com seu indefectível diretor, o jornalista Carlos Lacerda. Os dias são outros, apesar de alguns ainda insistirem em não vislumbrar.

Não refeito desse choque, eis que chego ao Fórum.

Sua arquitetura é singelamente bela, a fachada rosada propõe caloroso acolhimento para a população. É suave e preservada. Penso eu que, condizente com a gentileza dos itapetininganos e com os justos cognomes da cidade, teria uma recepção pertinente de quem está ali para servir ao povo.

Ao contrário dos ilustres democratas que nasceram na amável Itapetininga, como dr. Venâncio Ayres, que por sua biografia já mereceria a mais alta lisonja de humanista, as pessoas ali lotadas em seus cargos públicos ainda não compreenderam seu mister. Não se desgarraram do cheiro de burocracia, tão cara e retrógrada ; se ativeram ao “cargo”, mas esqueceram do seu precioso complemento : o “público”. E que dicotomia perigosa, caros migalheiros!

Na terra de democratas, fomos recebidos por policiais com uma desmedida “autoridade”, vigiando os corredores da Casa, nos tomando a identidade de brasileiros. Não merecemos adentrar ao Fórum ! Não devemos e não podemos vê-los trabalhando ! Haveria algum pecado capital escondido no “edifício” de pastas e papéis ? De certo, que não.

Não havia nada escondido ! O “povo não deve intrometer-se em assuntos forenses ! Ele nada sabe !”

E me questiono, aqui no galho do ipê : será que o “povo” deve ser atendido somente quando há disponibilidade ? Ou por mera e aborrecida obrigação, estampada na cara fechada e impositiva de “respeito”, que conta os dias, em troca do salário ?

Hoje vivemos uma época estranha. De intenso culto ao materialismo e de uma fome atroz por humanização. É o paradoxo de nosso milênio.

Aqui na “Terra de Cultura e Cultura da Terra”, vi duas culturas. Meninos, eu vi.

Por parte do povo gentil : cultura, saber e uma inspiradora cultura da terra, de amabilidade e preservação.

E vi também uma cultura dessa terra pela qual luto bravamente como tantos migalheiros, para que seja extirpada de nosso pátrio chão : a cultura da soberba e de uma inexplicável ausência de compromissos com a investidura outorgada pelo “povo”. Pelo mesmo povo que foi privado da Verdade.

Será a pomba ferida, que agoniza, como canta a poeta Zalina Rolim, a forma e feição desse abalo que sinto em meu coraçãozinho ?

Porém, quando sinto que ainda tenho força em minhas asas, penso na figura do combativo Diretor e seus momentos de soerguimento. Sim! É hora e data de recomeçar a lida.

Estufo o peito e salto deste galho, rumo ao céu. Sei que junto com os nobres migalheiros posso chegar a um novo horizonte, onde a terra sairá desse desnecessário transe.

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