dr. Pintassilgo

Palestina

Amigos migalheiros, permitam-me hoje, aproveitando-me de vossa paciência quase divina, escorar meu depoimento em duas colunas : a realidade e a esperança.

Por quê ? Porque depois de meu vôo sobre Palestina, ambas confrontei, tirando, como sempre, insignificantes (porém calorosas) conclusões.

Diz um adorador da terra, repetindo ditado antigo, que as demandas no fórum são conseqüência de três barras : as barras de rio, as barras de ouro e as barras de saia.

Mas se deitarmos os olhos pelo planeta, vemos que estamos em um mundo conturbado. Conflitos pipocam em todos os continentes. Religião, terras, água e direitos fazem os ânimos se acirrarem. Daí a razão é deixada de lado, entrando o braço.

Um dos campos de conflito está na região da Palestina, Oriente Médio, que pela sua importância estratégica parece ter tido somente "surtos" de paz.

Desde a Antiguidade, foi palco de conquistas e conflitos. Várias etnias ali se acotovelam, numa rusga milenar. Hoje, pessoas-bomba, homens, mulheres e crianças (!) às vezes realizam tristes ações, cujas vítimas em maioria são inocentes ; protestos e razões bem determinadas de cada lado. Ainda assim, o diálogo é o grande perdedor. A mim, humilde pássaro não cabe fazer juízos de valor, pois, penso eu, cada povo deve ser respeitado em suas crenças e costumes. O que me dói é a debilidade da Paz. Será que não pode nunca prevalecer o bom-senso ?

Inconcebível e misterioso pensar que naquela região do Oriente nasceram as religiões que possuem o maior número de seguidores no mundo e, no entanto, apesar da contemplação, do conforto para o espírito, há, desarmonicamente, intolerância.

Quando haverá Paz ? Abrem-se os braços aos céus os fiéis, sejam quais forem as orações.

E quando vejo a nossa Palestina, aqui encravada no Estado de São Paulo entre os rios Preto, Turvo e Canoas, penso sinceramente que a Paz pode ser mais que um estado permanente de tranqüilidade.

É também o respeito e a ternura do calor humano.

Aqui em Palestina a vida segue sossegada, tal qual uma charrete em passeio no campo aberto. Os processos criminais são poucos, enquanto os de família são maioria (de fato, crises familiares quebram a Paz em qualquer parte do mundo).

Os livros contam que a pacata cidade ganhou este nome graças ao grande número de imigrantes árabes que aqui chegaram e com seu trabalho e dedicação, prosperaram no comércio.

As etnias aqui convivem harmonicamente, sem o acotovelamento. Mas aqui, infelizmente, há um espinho : a diferença social, que vitima a todos indistintamente.

Vejo em Palestina a cordialidade dos adoradores da terra, nas suas conversas pausadas e calmas. Na porta do "boteco", as pessoas se chamam por nomes e respeitam quem conhece as histórias da vida.

Empunhando a bandeira do laico Migalhas, pergunto : não será este um dos maiores exemplos do Brasil ?

Essa nossa vocação para a Paz não pode ser desprezada e esquecida. Ao revés, deve ser exaltada. Não é amigos migalheiros atuantes no Direito Internacional ?

Prova desse nosso pendor é a tradição que faz do Brasil o país sempre a abrir os trabalhos anuais da ONU.

De fato, lá se vão doze lustros do salto quântico do Direito mundial, quando o político e estadista Oswaldo Aranha inaugurou, na primeira Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU, a tradição que se mantém até hoje de ser um brasileiro o primeiro orador deste grande e importante foro internacional.

Mas há mais.

Um brasileiro fez história na luta pelos Direitos Humanos. Esse homem, pouco conhecido nas escolas, embaixador brasileiro na França de 1922 a 1943, foi Luiz Martins de Souza Dantas.

Contrariando a pusilânime orientação do Estado Novo, Dantas assinou centenas de vistos de entrada, no país, de judeus e outras pessoas perseguidas politicamente e ameaçadas de morte. Nos carimbos que batia nos passaportes de refugiados, vinha a senha : "Bom para o Brasil". Em homenagem póstuma, seu nome está mencionado no Jardim dos Justos, em Israel.

Sua biografia (cuja catalogação faço encômios a Fábio Koifman) é uma página verde-amarela na história do mundo.

Deixando de lado meus pensamentos, lembro que aqui pousei confrontando realidade e esperança.

A realidade é crua e exata.

Mas a esperança é chama viva.

Fulguras, ó Brasil, por estender suas calejadas mãos aos irmãos de longe.

Forja seu papel de artífice da Paz, para que tenhamos no mundo outras paragens, como temos aqui no exemplo bandeirante : terra tranqüila e de cordialidade, onde os abraços são calorosos e comuns.

Talvez um dia, isso também seja comum por todos os cantos.

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