dr. Pintassilgo

Guarujá

Foi na "Pérola do Atlântico" que pela primeira vez vi o mar.

Ainda pintassilguinho na escola, de camisa branca de mangas curtas a combinar com a calça azul marinho, com os amigos falava de nossas férias escolares durante os intervalos.

Invariavelmente o destino mais comum era Guarujá. E eis que me perguntava: "ó, raios, o que será que há de tão especial nesta cidade"?

Até que a providência, às portas de minha quase entrada no mundo adulto, me trouxe anos atrás até aqui. E pude comprovar in loco porque meus amigos e suas famílias se bandeavam para cá. É linda!

Passei, pássaro imberbe, por Pitangueiras, Pernambuco, Enseada. Ah, meus primeiros flertes fora dos meus domínios foram por aqui.

Guarujá foi feita a régua e compasso para ser o refúgio ideal, adornado de classe para os gostos refinados.

Apurei com a curiosidade de um pequeno urso, que no desenho de suas ruas e de alguns dos seus prédios antigos, gastou-se muito: dinheiro e material de primeira, vindo de outras partes do mundo.

Na seleta lista de freqüentadores da ilha, podemos nos deparar com um rol quase que extraído das páginas dos livros de História: entre generais e alguns políticos de renome, figuram nomes como o de Ruy Barbosa, Washington Luis e também de Santos Dumont, que passeava pelos calçadões a pé, anos depois de dar asas ao homem.

Pois os hotéis de luxo e cassinos foram substituídos por espigões à beira-mar (sem alusões a um tal Fernandinho, por gentileza).

E como sempre, a lei da oferta e da procura gera a arte da especulação, que por sua vez, cria negócios em demasia, o que nem sempre resulta em bons agouros. Daí, o grande número de processos saídos de questões de cunho imobiliário que pululam na cidade atualmente.

Guarujá sofreu uma metamorfose.

Sua fama atraiu todo o tipo de migrantes: os mecenas do progresso, as pessoas ávidas por um trabalho decente, e outros que andam a Deus dará.

Da antiga arquitetura restou pouco: hoje na orla vê-se uma outra arquitetura, desconexa, feita de latas, cimento e madeira, mas que não se encaixa na beleza natural da ilha: as favelas.

Quem dera, Guarujá, que fosse um problema só seu. É um sonho a menos, para você, para mim, para os que lá residem, para os amigos migalheiros e para todos os que sentem.

E quem dera (outra vez para que meu pesar seja ressaltado), que Guarujá ainda mantivesse a tranqüilidade de outrora, com ventos a acariciarem as faces das pessoas na areia, e que se tornam serenas, perante o mar.

Quem sabe se fosse assim poderia, andando no calçadão, ouvir Ruy Barbosa, instigá-lo, provocar o Águia de Haia para que propusesse com sua mente privilegiada, uma saída para as pendengas de nosso combalido Judiciário.

Ou, papear com Santos Dumont caminhando próximo a areia. Atrevido que sou, iria lhe propor uma nova invenção: o ar condicionado.

Talvez assim, ele com sua inigualável inteligência prática, criasse o aparelho de ar, tornando-o mais em conta. Assim, futuramente isso evitaria que o governo não fosse tão muquirana (oh! a austeridade fiscal! Desculpe!). E o mais importante: evitaria que os serventuários retirassem de seu próprio bolso quantia para adquirir tal eletrodoméstico, útil para que não sejam sufocados pelo calor tropical e pelas ilhas de calor no meio dos processos.

Ah! E se fosse com Washington Luis, perguntaria, no fim de tarde praiano:

-Senhor Presidente, que mal lhe pergunte: quando o governo cuidará com carinho do povo?

São devaneios, amigos, enquanto ando pela praia de Pitangueiras. Ah, o sol...

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