dr. Pintassilgo

Viradouro

Da vontade de Deus, o nada virou tudo. A escuridão virou luz, frio, o vácuo virou o ar, o vazio virou a eternidade.

A vida vira e revolta ; pode ser que nós viremos o que sonhamos e outras vezes podemos virar o que nem imaginávamos. Você, amigo migalheiro, sonhou que viraria o que é hoje ?

Depois de tudo o que aconteceu, no que nós viramos ?

O que era cordialidade virou interesse ; a paz virou mercadoria, o homem virou bicho e nosso país virou alegoria do que pretendia ser.

E agora, com espírito indomável de um bandeirante, que enfrenta os percalços e perigos da vida, ando no Estado e estou em Viradouro.

Viradouro : a fazenda que deu nome à cidade. Era o ponto de chegada, o limite de onde só se podia voltar, não trespassar.

A cultura dourada da laranja deu lugar à cana, de caldo grosso e forte. O que era suco virou álcool.

Pelo visto, sem direito a brinde.

Porque o povo está se virando como pode. O cultivo da cana não absorve a mão-de-obra de Viradouro, criando um filhote difícil de conviver: o desemprego.

E na cidade pacata, tranqüila, de povo acolhedor, como pude sentir na pele o calor, os feitos fiscais se avolumam como em outras comarcas.

Virei-me para leste, oeste, sudeste, norte, sul do Estado e os processos de caráter fiscal tomam o tempo, viram a cabeça de todos os que lidam com a rotina forense.

Aqui, com ineditismo, pelo menos as Execuções Fiscais não são maioria.

O povo acolhedor da cidade, incluindo chamados adoradores da terra, tem esperança de que, de uma hora para outra, a mesa seja virada. E a cidade não seja como a fazenda do batismo, não seja um fim.

Olho para os olhos das pessoas, jovens, idosos, independente da origem. Penso: temos que, nem que seja por honra, virar alguma coisa.

Não quero retomar aqui assunto de feridas.

Quero com cabeça erguida, retomar minha vida, meu caminhar e sem esquecer de nossa responsabilidade, pedir aos migalheiros, companheiros de fé, que retomem as suas.

Olhemos para o povo de Viradouro e pensemos que há muitos em todo o país. Gente honesta, que trabalha, varando dia e noite.

Não podemos, qualquer que seja a fase, o tema, o mote, que tudo vire uma política medíocre, aqueles manjados joguetes que já se demonstram perniciosos.

Ando e vou me demorar mais um pouco. Quero curtir o sol do entardecer. Viro os olhos para meu radinho AM, que o amado Diretor me enviou. Giro seu dial e vejam só a bela canção que ouvi, dos gaúchos Kleyton e Kledir, afinadíssimos na voz e com o momento:

"Vou voltar na primavera,
e era tudo que eu queria.
Levo terra nova daqui.
Quero ver o passaredo
pelos portos de Lisboa.
Voa, voa, que eu chego já.
Ai, se alguém segura o leme,
dessa nave incandescente,
que incendeia minha vida,
que era viajante e lenta,
tão faminta de alegria,
Hoje é porto de partida.
Ah, vira, virou, meu coração navegador.
Ah, gira, girou, essa galera. "

Agora, penso, que nossa felicidade virou questão de honra.

Salve, Viradouro!

Crônica | Histórico da comarca | Histórico da cidade | Ocelo clínico | Dados atuais | A cidade na década de 50