dr. Pintassilgo

Jaú

Há alguns anos atrás, eu, pássaro de jovens penas, ainda não notara que o mundo para as mulheres é diferente do mundo dos homens ; não sabia eu que o coração das mulheres é quase insondável, abrindo uma fresta para os poucos felizardos que lhe tocaram.

Realmente é um ser único, ímpar, em qualquer que seja o tema. Uma maravilha chamada mulher...

Ela pode até pensar ser óbvia, mas ainda é “o” mistério para os homens ; por isso ela lhes arranca poemas, paixões, cria noites sem sono ; faz acontecer a chamada de ombro do amigo, desperta o amor no coração tosco do ser masculino.

E os pés deste ser delicado, que parece ser frágil, mas que sabemos ser forte ao mesmo tempo, são calçados divinamente aqui em Jaú.

Aqui, a Capital do Calçado Feminino faz desfilar as mulheres de vários estilos : a descontraída de risada gostosa e solta ; a sensível, de rosto que cora por um belo gracejo ; a lutadora, que talvez não seja vaidosa ao extremo - não por falta de estima, mas de tempo ; a jovem, a madura, a sensual, a tímida.

Jaú calça os pezinhos que fisgam (como um Jahu) os olhares nas calçadas, que aceleram e freiam os carros nas portas das escolas, que andam dentro das empresas, saem à noite, e que percorrem o lar com a mesma desenvoltura.

Eh, Jaú, tens noção do bem que tu fazes ? Tornas mais bela a paisagem do mundo !

Lembro-me então de minha prima Natália, uma pintassilguinha graciosa, que nos seus tenros anos calçava os saltos da mãe, numa tentativa precoce de ser alçada ao mundo das moças.

Os passos desajeitados causavam o riso no primo, no caso eu, que a incentivava : achava graça na sua inocência.

A vaidade é feminina, isso não se pode negar.

Ela andava para lá e para cá, dando saltinhos, quase torcendo o pé. Arremessava os cabelos como se estivesse numa passarela. Chamava a atenção realmente, mas não como imaginava.

O tempo passou e Natália finalmente chegou à idade moça. Sem percalços. No seu lindo desabrochar, os passos passaram... tornaram-se elegantes, firmes, sem perder a amenidade. O primo agora admira e torce pela pintassilga, em todos os seus passos.

Mas, “raios !”, dirão vocês. “O que isso tem haver com o Jaú”?

É que saindo do Fórum, não pude deixar de encaixar a história de Natália com a Justiça.

Assim como ela, a cidade cresceu e precisa adaptar-se ao seu novo corpo.

Os processos aqui são muitos, como ocorre em várias comarcas do Estado. Jaú precisa de mais funcionários, mais uma Vara e uma redistribuição de processos. Os serventuários estão apertados, e todos sabemos que sapatos apertados são um incômodo tremendo. E cada um sabe onde o sapato aperta o calo.

Os computadores chegaram e estão à disposição, só não estão instalados. Oras, hora de agir, lembram-se ?

Ou seja, a Justiça de Jaú só precisa saber andar sobre os saltos, pois os sapatos estão aqui. Equilibrar-se, sentir o molejo, para depois andar: esta é lição que vi Natália aprender a duras penas para hoje irradiar sua beleza.

Assim, deve fazer Jaú.

Para a Justiça daqui tornar-se mais bela aos olhos dos causídicos, magistrados e para a população, deve aprender a andar com mais desenvoltura, e os computadores estão ali, pedindo para serem usados e ajudar nesta tarefa do caminhar do Direito.

Nunca neguei a graça de Natália, assim como não nego a de Jaú, cidade hospitaleira e de noite agradável.

Ela tem o potencial e precisa urgentemente utilizá-lo.

Assim como Natália aprendeu a arrancar suspiros, mesmo sem querer, Jaú está a um passo de melhorar seu sistema. Digamos que ainda está na fase dos andares semi-desajeitados, chegando perto da passarela.

E quando o dia chegar, da eficiência, do caminhar que salta aos olhos, quero estar como canta Guilherme Arantes, “ali no gargarejo, jogando beijo”.

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