Programa Nacional de Direitos Humanos

19/1/2010
Fábio B. da Rocha Miranda

"Caros companheiros do Migalhas, há alguns dias vi no noticiário matinal que o Presidente, cedendo às pressões do Ministro da Defesa e alguns milicos de pijama, decidiu pela alteração do Decreto autônomo que instituiu a 'Comissão da Verdade', para apurar os fatos ocorridos na ditadura militar. Não sei exatamente que tipo de pressão nossas gloriosas forças armadas podem exercer, mas o fato é que o 'Filho do Brasil' resolveu alterar alguns trechos, como vocês. sabem... acrescentou até a interessante expressão 'conciliação nacional'... algo como uma segunda anistia aos torturadores, eu acho. Aproveitei o surto de indignação e mandei, através do site do Planalto, uma mensagem ao companheiro Lula. Ao terminar, percebi o óbvio: ninguém iria respondê-la... até porque o Presidente (que estava de férias aqui na Bahia) não é lá muito afeito à leitura. Como a intenção foi boa, resolvi remetê-la a este poderoso rotativo...para que o trabalho não fique inteiramente perdido...ficarei satisfeito se ao menos alguém disser que compartilha da minha frustração. Com os meus mais sinceros cumprimentos à imprensa livre.

'Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Esta manhã fui surpreendido com a notícia de que V.Exa decidiu pela alteração de trechos do Decreto que instituiu a Comissão da Verdade, em face das reclamações do Ministro da Defesa e militares.

 

Jamais imaginei utilizar-me deste espaço para tratar com V.Exa, afinal, sempre duvidei de que minha mensagem seria lida, ante o enorme número de brasileiros que efetivamente o fazem com regularidade. Entretanto, resolvi "tentar a sorte", impelido por um sentimento de frustração e desesperança, munido de certeza de que minhas palavras fazem coro àquelas de milhares de compatriotas.

 

Acredito que, desde Getúlio Vargas, nenhum outro Presidente da República gozou de tanto apoio e prestígio popular como V.Exa. Seus atos, acertados ou não, encontram-se legitimados pela vontade de milhões de brasileiros, que foram às urnas por duas vezes para, com votos de confiança, conferir-lhe a liderança de nosso país.

 

Por este singelo motivo, acredito que V.Exa possui uma oportunidade histórica ímpar em vossas mãos, de mobilizar todos os segmentos de nossa sociedade na luta pelo resgate da dívida moral que a União possui com todos os brasileiros: a reparação (material e moral) dos danos causados durante a Ditadura Militar.

 

É de amplo conhecimento o fato de que nossos vizinhos latinos, a exemplo da Argentina e do Chile, já iniciaram um processo de efetiva elucidação e reparação das atrocidades perpetradas no período de suas ditaduras militares. Neste sentido, acredito que gestos de 'conciliação nacional', para evitar 'revanchismos' (nos termos de um militar de pijamas) em nada contribuem, senão para envergonhar e diminuir nossa nação perante a comunidade internacional.

 

Se a edição do indigitado Decreto representou, mesmo que de forma fugaz, um lampejo de esperança para aqueles que desejam ver um pouco de Justiça nestas terras tupiniquins, a alteração do mesmo, por outro lado, figura como um simbólico 'ainda não é desta vez' (ou, em metáforas culinárias, como uma pizza, ou um panetone, a depender do gosto de cada um).

 

Acredito piamente que a Justiça tarda, mas não falha. Cabe a Vossa Excelência, exclusivamente, decidir se este momento histórico será lembrado como aquele em que o Brasil deu um exemplo ao mundo, de Democracia e resolução moral, ou como aquele em que se produziu 'apenas mais um passo lento em direção à verdade'.

 

Não olvide, Senhor Presidente, de que ainda é possível punir os responsáveis pelas cabais violações dos Direitos Humanos, no período compreendido entre 1964-1985. Ainda é tempo de punir aqueles que, sob o manto pretenso da política, praticaram estupros, assassinatos, mutilações, roubos e tantos outros crimes comuns, aos quais nada justifica a concessão de uma doce anistia, para que seus autores possam usufruir de uma tranquila aposentadoria (ou reforma, como dizem nas casernas) paga pelo Estado.

 

Estou certo de que milhões de 'filhos do Brasil' concordam com as minhas palavras, e lamentam profundamente a alteração do Decreto aludido, em razão das implicações morais que a medida encerra.

 

Atenciosamente,'"

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