Frase

26/2/2010
Fernando Neisser

"Louvando a firme posição deste periódico em prol de sua laicidade, deixo apenas uma ponderação com relação à migalha da leitora Roberta Palanch (Migalhas 2.334 - 26/2/10). A frase de Eça de Queirós não é um erro 'do ponto de vista religioso'. Pode ser um entendimento diverso daquele que a Igreja Católica Apostólica Romana tem hoje, mas não é esta a única religião, para que se lhe dê esta autoridade. O próprio Vaticano só começou a cogitar da doutrina da transubstanciação em 818, quando aparece a ideia pela primeira vez nos escritos de Pascácio Radberto. Esta somente veio a ser imposta na missa no Concílio de Latrão, em 1200, junto com a confissão auricular. Estivesse correta a visão maniqueísta da missiva, dividindo as visões entre certas e erradas do ponto de vista religioso, e a própria Igreja da missivista estaria equivocada sobre este ponto até aquela data. Apenas pela curiosidade, diversas doutrinas católicas que temos por estabelecidas são razoavelmente recentes. O sinal da cruz vem do ano 400, obra de Paulino de Nola. O culto à Virgem Maria e a invocação dos santos é de 609, obra de Bonifácio IV. A cruz somente passou a ser adorada em 787, no segundo Concílio de Nicéia. O celibato dos padres vem apenas em 1074, com o papa Gregório VII. A reza 'Ave Maria' é ordenada apenas em 1317, por João XXII, enquanto a hóstia somente começa a ser levada em procissão em 1360. Até o dogma da imaculada conceição de Maria é decretado apenas em 1854, por Pio IX. Tudo a mostrar que as religiões se constroem com o tempo e que suas verdades, para os que nelas creem, podem ser tão fugazes para os outros quanto permite a boa literatura de Eça."

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