Honorários advocatícios

30/3/2010
João Damasceno Borges de Miranda - escritório Damasceno & Marques Advocacia

"A notícia informa que o E. STJ reformou decisão do TJ gaúcho, reduzindo a condenação do sucumbente (perdedor da causa) nas verbas honorárias, de 10% sobre o valor da causa para parcos R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Parcos porque a causa é de R$ 6 milhões, sendo este o valor original da ação, sem correção e juros (Migalhas 2.353 - 25/3/10 - "De milhão a mil" - clique aqui). Consultando o processo no E. STJ (REsp 1136928/RS), trata-se de recurso especial decorrente da interposição de agravo de instrumento. E, por incrível que pareça, o A.I. é da parte exequente, i.e., do credor, pois seu pedido de arbitramento de honorários foi indeferido, tendo sido fixado pelo TJ gaúcho em sede do A.I. interposto. Desta forma, podemos deduzir que não se trata de desrespeito à coisa julgada, pois a sentença que reconheceu o direito de indenização não deve conter os ônus da sucumbência, muito menos o percentual para tanto. Quanto a redução, entendemos que o E. STJ incorreu em equívoco, pois o § 3º do art. 20 do CPC prevê que a condenação em honorários por sucumbência será entre 10% e 20%, ainda que submetido aos critérios das alíneas 'a', 'b' e 'c' do mesmo parágrafo. É lei. Deve ser respeitada, por mais dolorida que seja para o vencido e por mais que provoque ciúmes nos juízes, como sói ocorrer na Justiça Comum, tanto estadual quanto federal. A condenação em R$ 70 mil representa apenas 1,166666% do valor da causa. E 10% de R$ 6.126.632,71 não seriam nunca R$ 1.054.719,68, mas tão somente R$ 612.663,71. Em outras palavras, ter êxito no Brasil é proibido. Aliás, é de se estranhar a decisão abaixo, pois a jurisprudência do E. STJ é pacífica quanto a esse assunto, reformando as esdrúxulas sentenças da JF neste aspecto. O que me parece estar por trás nesse caso é a força do lobby da Brasil Telecom, diga-se, de Daniel Dantas, Oi/Telemar, o novo sócio e novo milionário do Brasil - o filho do presidente Lula, e deve ter mais gente na fila dos interesses. E os tribunais superiores ainda querem se equiparar aos tribunais internacionais, como as cortes superiores estaduais americanas e a própria Suprema Corte dos EUA? Com dois pesos e duas medidas? Eles (ministros) ainda não entenderam ou não querem entender que justiça séria é justiça cara para que lesa o direito de outrem, porque obriga o lesado a ter que ir ao tribunal para que seu direito seja respeitado ou volte ao status quo ante? Se a Brasil Telecom estivesse diante de um país sério e uma justiça séria, ela sequer teria cogitado em lesar os acionistas, obrigando-os a ter que ir às barras do tribunal. Ademais, em país sério, ela teria levado multa muito maior pelo órgão de fiscalização. Doeu? Achou cara a condenação em honorários? Não pratique o antijurídico. Saiba que as consequências serão duras. Mas, no nosso País, punibilidade, seja no âmbito penal ou de outra seara, não é nosso forte. Nosso forte, herança portuguesa, é passar a mão na cabeça dos meninos levados. De resto, vê-se concretizado nesse episódio o quanto ainda somos adolescentes em questões que tais, e que o Brasil continua sendo a terra da aventura e da fortuna, para que tem dinheiro, é claro, e para quem sabe jogar com o poder, consciente quanto a velha cultura jurídica herdada de Portugal: 'lesemos os outros, pois, se alguém reclamar ou for justiçado, indenizaremos ao tempo e modo como escolhermos'. O Brasil ainda possui o mesmo raciocínio jurídico em seu sistema vigente. É o nosso grande percalço, por isso nossa justiça é claudicante, pois em razão de tal forma de pensar o jurídico, em como regrar o relacionamento entre as pessoas, é que faz com que nossa justiça seja reativa. E não estamos nos referindo exclusivamente ao Poder Judiciário em si, mas em todo o complexo do Estado que representa a justiça: Ministérios, Secretarias, Polícias, Agências Reguladoras, Fiscalização, e, por fim o Judiciário, que deveria ser a última instância a ser provocada. Exemplo de como funciona nosso raciocínio jurídico social, de nossa cultura social quanto aos relacionamentos, de como nos comportamos na matéria de respeitar ao próximo: 'se o avião da Tam cair, não tem problema, pois terão que indenizar'. Em razão desse modo de pensar o jurídico enquanto valor social, nós não somos comprometidos com a fiscalização. É tudo um faz de conta. A questão é que vidas morrem, potenciais de desenvolvimento humano morrem, gênios e inteligências morrem, e o País todo perde. As empresas ou responsáveis, diante dessa regra ínsita ao nosso sistema jurídico, indenizam quanto e quando quiser. Idem para o Estado que paga suas responsabilidades com precatório. São coisas que só existem aqui. É o total descaso do Estado como ser que deveria administrar a sociedade. Nosso Estado e seu organismo administrativo funciona sob a regência do cinismo. É um estado cínico, no sentido filosófico. Publiquei em recente artigo sobre a origem histórica do duplo grau de jurisdição: 'Nos países modernos, eficiência na justiça é também uma prática processual cara para quem descumpre a lei ou lesa o direito de outrem.' O Brasil terá avanço econômico e continuará sendo um vale fértil para aventuras financeiras, mas a essência jurídica demorará mais 5 séculos, se isso vier a acontecer, até que nos desfaçamos da herança da cultura portuguesa de interagir com e expedir as normas jurídicas que regram a sociedade. Fraternalmente,"

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