"Meu Deus, mas que cidade linda"

23/4/2010
Abílio Neto

"Brasília é uma cidade que nasceu da inspiração de muita gente de bem (Migalhas 2.370 - 20/4/10 - "Meu Deus, mas que cidade linda"). De um presidente soberbo, de dois arquitetos geniais, de engenheiros calculistas fabulosos, de arrojados construtores, de dedicados candangos trabalhadores, de mulheres pioneiras e sofredoras, enfim, de poetas e trovadores. Uma cidade que na fase adulta tem duas faces: uma para mostrar ao mundo e outra para exibição no Brasil. A cara falsa retrata linhas arquitetônicas inovadoras e um planejamento urbano de fazer inveja. A cara verdadeira, que é somente mostrada aos brasileiros, é a face de um subúrbio perigoso, corrupto, sujo e cheio de ladrão em cada esquina. Ladrão com aparência de gente de bem, o famoso batedor de carteira engravatado. Desapareceu o homo cerratensis para dar lugar ao homo corruptus. Nesses seus cinqüenta anos de nascimento, a cidade poderia ser o orgulho nacional, mas é a vergonha do Brasil, sobretudo por causa dos forasteiros que lá chegaram: lobistas, empresários safados, políticos trambiqueiros, etc. Faço justiça: não se deve imputar ao autoritarismo dos governos militares essa desgraça atual de transformarem um lindo lugar do planalto central no templo maior da safadeza tupiniquim. É como se fosse uma nova Sodoma da corrupção! E como se sentiriam hoje aqueles que contribuíram para que o projeto da Novacap (sigla do tempo de JK) saísse do papel e se transformasse nesses inúmeros monumentos? Os que estão vivos, com toda certeza, cobrem o rosto com as mãos! E as moradias dignas para os pobres? Rá, rá, rá, rá! É claro que Brasília não poderia ser diferente do restante do país e do mundo: existiu o investimento governamental em melhorias e infraestruturas urbanas, mas a consequência disso foi a elevação do custo da terra e sua apropriação pelos gananciosos do ramo imobiliário. Em linguagem clara, o custo dos benefícios foi socializado, mas o valor por eles produzido foi destinado à especulação. Os novos donos da terra usaram-na para construir bairros para as classes de alto poder aquisitivo e as classes pobres foram relegadas para a periferia da cidade em áreas com poucos atrativos urbanos, favelas, desemprego, dificuldade de transporte e violência de bandidos e de policiais. Grita Taguatinga! Berra Ceilândia! O Dr. Lúcio Costa quando projetou Brasília, imaginou-a não com uma visão socialista, mas sim com um pensamento cristão: a de que todo homem deveria ter uma habitação digna para si e sua família. Ingênuo foi ele ao pensar que seu plano pudesse escapar das "leis" do mercado imobiliário (capitalista)."

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