Migalhas de peso

21/3/2005
Manoel de Paula Guimaraes

"Com meus cumprimentos ao Dr. Augusto Moreira de Carvalho, do escritório Garcia & Keener Advogados, por seu texto tão bem estruturado ("Cofins e as sociedades profissionais" – clique aqui), eu gostaria de fazer algumas colocações sobre a evolução histórica da disciplina da COFINS. Desde a decisão da ADC 1, em junho de 1995, o "legislador" tem feito "testes" das modificações nas normas da LC70, dispondo sobre a COFINS por diversas vias. "Legislador" vai entre aspas, porque, no fundo, todas essas leis tributárias tão complexas são elaboradas por técnicos do Ministério da Fazenda. Logo depois da publicação da ADIN, a Lei ordinária 9.069 antecipou o prazo de pagamento da COFINS para o dia 15 - pela LC 70, o prazo seria até o dia 20. E manteve intacto o texto da LC 70. Houve uma derrogação da LC 70, ainda que em questão secundária, a saber, o prazo de seu recolhimento. A primeira modificação do texto da LC 70 ocorreu por outra LC, a 85, de fevereiro de 1996, que estabeleceu disciplina relativa à desoneração das exportações. No fim de 1996, deu-se um passo adiante: uma nova espécie de incidência (sociedades civis de profissões regulamentadas) foi determinada pelo art. 56 da Lei 9.430, diploma que, sem tentar revogar o art. 6º, II, da LC 70, virtualmente ignorou-o, na intenção velada de derrogá-lo. Em 1998, mais um passo à frente: uma Medida Provisória (rapidamente convertida na Lei 9.718) modificou significativamente a base de cálculo da COFINS, e até mesmo aumentou sua alíquota, de 2% para 3% (prevendo uma compensação desse acréscimo com a CSLL, possibilidade que só vigorou por alguns meses). Esse aumento de alíquota da COFINS, veiculado em lei ordinária, já foi examinado e julgado constitucional pelo STF. Depois de todos esses "precedentes", a MP 2158-35 deu o passo final, simplesmente revogando artigos da LC 70/91. Ousadia desmedida, ou simplesmente o coroamento de um processo gradativo? É fato que a menção à natureza materialmente ordinária da Lei foi feita pelo Min. Moreira Alves de forma "obter dicta" (o voto do Min. Sydney Sanches também fez rápida menção de concordância nesse sentido). Entretanto, "obter dicta" ou não, esse entendimento foi externado, e, conquanto não seja suficiente para justificar a liminar na reclamação interposta pela UF contra a súmula do STJ, não vejo razões para acreditar que, se vier examinar a matéria, o STF decidirá de forma diferente. Para tanto, vejo especial propriedade no argumento, já levantado pela melhor doutrina, segundo o qual o legislador, ao votar a lei complementar, está desrespeitando a vontade do Constituinte - o qual entendeu que aquela determinada matéria poderia ser tratada em lei ordinária (v. julgamento da CSLL). Exigir-se nova Lei Complementar para qualquer modificação na LC 70/91 seria admitir que o legislador complementar de 1991 poderia ter "engessado" esse tema, tornando sua modificação mais difícil do que o Constituinte julgara adequado. Leis complementares, via de regra, surgem quando há previsão constitucional, sua esfera de competência é estritamente delimitada pela CF. Examinar se uma determinada matéria pode ou não ser disciplinada em lei ordinária é atribuição do STF. Examinar se uma determinada matéria pode ser modificada por lei ordinária ou lei complementar, mormente quando há prévia lei complementar a respeito, certamente que é também atribuição do STF. Com a devida vênia, acreditar que a matéria é de competência exclusiva do STJ e não pode ser examinada pelo STF constitui, para usar um termo muito em voga - e pedindo perdão pelo anglicismo - "wishfull thinking". Sejamos realistas: a LC 70/91 "subiu no telhado", e há muito."

Envie sua Migalha