Arbitragem em serviços médicos

20/9/2010
José André Beretta Filho - escritório Advocacia Muzzi

"Qualquer comentário sobre notas a um caso específico deve ser feito e lido com inúmeras ressalvas, notadamente quando os dados fáticos apresentados são mínimos e são essenciais para se entender o que ocorreu (Migalhas 2.474 - 20/9/10 - "Arbitragem em serviços médicos" - clique aqui). Não obstante, e com as escusas já feitas, a decisão do TJ/SP é preocupante pois, uma vez mais, transforma o Direito do Consumidor num super-Direito e questiona a capacidade, possivelmente intelectual, de as partes firmarem contratos de acordo com seus interesses e sem que haja indicação de qualquer vício na formação da vontade. Via de regra o Direito do Consumidor trata, basicamente, de questões de direitos patrimoniais disponíveis e não me consta que o direito à reparação por dano estético e/ou moral não sejam assim consideráveis. Se assim é, nas relações diretas e imediatas entre partes, plenamente possível é a contratação, inclusive de serviços médicos, com a adoção de cláusula compromissória, colocando a arbitragem como método de solução de disputas, procedimento esse que se torna vinculativo entre as partes. O Direito do Consumidor não se sobrepõe à liberdade contratual a menos que se determine que tenha havido vício na emanação da vontade, vício esse que seria de tal sorte a tornar inservível a contratação surgida sob sua presença. No âmbito do Direito Consumidor, caberia ao Tribunal tornar expresso a indicação de qual o abuso e os elementos fáticos do mesmo, isto com relação à qualificação das partes, a relação individual etc., e nunca a partir de estereótipos. Não existe, portanto, vício em si porque uma relação é regida pelo Direito do Consumidor, o qual, aliás, não impede a adoção da arbitragem. Comente-se que a regra do inciso VII do artigo 51 deve ser vista como requerendo do juízo uma avaliação e manifestação quanto à capacidade de a parte discernir, no momento da contratação, sobre aquilo que está contratando, sob os riscos daquilo que está contratando etc. , e não a impossibilidade de adoção pura e simples do método nesse tipo de relação. Em outras palavras, o que se deve avaliar é se a compulsoriedade, tal como estabelecida, é do tipo a gerar vício de consentimento. Pondere-se, também, que a referência de que haveria violação ao Direito Constitucional ao acesso ao Poder Judiciário já foi há muito superada, validando a arbitragem como meio de solução de disputas. Em continuidade, a alegação de que a indenização, por decorrer de ato ilícito, não deve permitir o recurso a arbitragem é, com as ressalvas já feitas, descabido, e muito mais ao se buscar usar o fato de que a ausência de cláusula expressa para dizer quem arcará com as despesas processuais é fator a macular a obrigação de se submeter à arbitragem, isto porque: (a) esta não é uma cláusula de inserção obrigatória (lei 9307/96, art. 11, V); (b) isto pode ser suprido no momento da concretização do termo arbitral perante o Tribunal Arbitral; (c) isto pode estar previsto no regulamento do Tribunal Arbitral; e (d) os árbitros sempre poderão aplicar, por analogia, as regras da sucumbência, para inserir, no âmbito da indenização, a responsabilidade pelas custas e demais despesas com o procedimento. Posso conjectuar que o TJ/SP preocupou-se com o fato de que o contrato, que trata de serviços médicos, tenha estabelecido que eventuais disputas venham a ser submetidas à arbitragem por Tribunal Arbitral de atuação especializada na área médica e que isso seria 'abusivo' porque esse Tribunal é escolhido pela vontade do contratado e não do contratante (o consumidor). Ora, mas se assim é, o que se questiona de fato é que o Tribunal adotado seria veículo da prática abusiva, isto é, ele seria um co-autor do abuso em conjunto com todos aqueles prestadores que o adotam em seus contratos, servindo o Tribunal para atender aos interesses dos prestadores de serviços médicos, faltando-lhe, portanto, isenção institucional. Sendo assim, caberia ao MP investigar isto, pois do contrário há o risco de se macular a imagem de uma instituição arbitral sem que haja qualquer indício dessa atuação indevida e/ou abusiva. Posso até concordar que a existência de instituições arbitrais especializadas em certos setores (o que inclui, por exemplo, a arbitragem pela própria OAB) presta-se mais a resolver questões ínsitas à própria atividade profissional em si (relações patrimonais entre pares da atividade), porém isto não equivale a afirmar serem elas inidôneas de per se. Tal como constante do Acórdão, o Tribunal é parte do abuso, mas não há indicações de como o abuso se caracterizou. Fico com a impressão de que o Poder Judiciário, em que pese todas as indicações de que seu atual modelo está esgotado e requerendo reformas mais profundas, teme possa ser ele esvaziado e fragilizado e que a arbitragem seria um meio para tanto. Talvez seja por isso que o Poder Judiciário venha ampliando desmesuradamente a importância do Direito do Consumidor e outros, para pretender se manter como a única Instituição capaz de prover soluções a disputas, ainda que para tanto tenha que tratar o cidadão cada vez mais como um desprotegido, um despreparado e que todas as relações tendem a ser abusivas, e não que a abusividade seja a exceção. O mesmo vale, em boa dose, para a Justiça do Trabalho, cujas posições constantemente indicam uma visão de que as relações trabalhistas são majoritariamente viciadas em prejuízo dos hipossuficientes trabalhadores. A melhor distribuição de Justiça não será feita com base na afirmação do atraso que requer a constante tutela do Estado. A Justiça será tanto melhor quanto se permitir aos cidadãos que a exerçam em sua plenitude e que se intervenha apenas quando demonstrada a ilicitude. Não cabe ao Estado considerar-se, sempre, mais capaz que a sociedade, cabe, isto sim, permitir à sociedade mostrar toda a sua capacidade, inclusive a de resolver seus litígios patrimoniais de forma autônoma."

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