Juros e imóvel

21/9/2010
Rômulo Augusto A. Bronzel - escritório Bronzel Advocacia e Consultoria

"Após intenso debate sobre um tema que dividiu juristas e tribunais, o STJ assentou entendimento a respeito da ilegalidade na cobrança de juros durante a construção de imóvel vendido na planta (Migalhas 2.475 - 21/9/10 - "Migas - 2" - clique aqui). A cobrança dos chamados 'juros no pé' era prática recorrente das construtoras, que ao negociarem o imóvel na planta incluía a cobrança de juros remuneratórios além da correção monetária. Não obstante os esforços da Secretaria de Direito Econômico, órgão do Ministério da Justiça, que chegou a editar uma orientação para coibir essa prática, e do MP, que ingressou com diversas ações civis públicas a respeito, as construtoras insistiram na cobrança. Por um lado as associações de construtoras de todo o país sustentavam a legalidade dessa prática com apoio na lei 4.864/65 e suas sucessivas alterações, cuja interpretação estava atrelada a lei que criou o Sistema Financeiro de Habitação. Para as construtoras essa legislação previu expressamente a possibilidade da cobrança de juros e correção monetária durante o financiamento da obra, que poderia ser considerado mesmo antes da entrega das chaves. Na outra ponta, os órgãos de defesa do consumidor defendiam a impossibilidade de cobrança de juros antes da efetiva entrega do bem, eis que durante esse período não havia a fruição do imóvel, pelo que não seria admissível a aplicação de juros remuneratórios. Pela opinião desses órgãos a lógica estaria invertida, pois se houvesse algum juro a ser pago deveria ser em benefício do consumidor, na medida em que o adquirente estaria aportando capital para a construção do objeto da promessa de compra e venda. Na prática, dependendo do prazo da obra, a incidência de juros nesse período acarretava uma sobrevalorização de mais de cinquenta por cento do saldo devedor, o que levou consumidores de todo o Brasil à Justiça. Recentemente, ao julgar um leading case que certamente será referência para os demais processos sobre a matéria, a 4ª turma do STJ por unanimidade deu ganho de causa aos consumidores. O órgão reconheceu a ilegalidade dessa prática, que ofenderia os ditames do CDC. Para o ministro relator Luis Felipe Salomão todos os custos da obra, inclusive eventuais financiamentos, devem estar previstos no preço do imóvel, o que não justifica a cobrança de juros durante a chamada 'poupança', ou seja, antes da entrega do bem. Sob a ótica do ministro as parcelas incidentes durante a obra devem ser equiparadas ao pagamento antecipado, pelo que não há que se cogitar na cobrança de juros, pois o comprador sequer possui o gozo do imóvel. O que chamou atenção no julgamento em referência (REsp 670117) foi que o Superior Tribunal não apenas reconheceu a ilegalidade dos juros, mas manteve a revisão contratual proposta em face da construtora, com a condenação de devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente ao favor adquirente. Nessa perspectiva surge um novo cenário no universo da construção civil, que envolve um passivo inesperado para as construtoras que exigiram os juros declarados ilegais e certamente uma corrida aos tribunais daqueles consumidores que sucumbiram a essa prática e ainda não questionaram na Justiça. Acerca dessa expectativa de direito criada pelo STJ, o CDC prevê o prazo de 5 (cinco) anos para o ingresso em juízo e admite a revisão mesmo de contatos que já tenham sido quitado, o que merece destaque aos consumidores."

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