Arte

22/9/2010
Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa

"Quando remeti a mensagem e anunciei as críticas negativas que tenho recebido foi apenas para expor à senhora (Professor Ivete/ IASP) e aos demais diretores a repercussão que o assunto mereceu e ainda merecerá. Soube da nota por intermédio do José Horácio, que na sexta-feira nos indicou acessar nosso sítio. Assim que pude ler o texto, mandei e recebi algumas mensagens ao José Horácio : não cabíamos em nós da satisfação de participar deste importante momento da história do Brasil, ele mais diretamente e eu indiretamente como Diretor do IASP. Li e reli algumas vezes a nota de repúdio e a cada leitura era ainda maior o sentimento cívico na defesa do Estado de Direito. Confesso-lhe que fui tomado pela emoção, entendi e entendo que o IASP tenha se manifestado pronta, corajosa e adequadamente sobre o despropósito de se atentar contra a instituição da Presidência da República. As críticas negativas que a Ordem e o IASP têm recebido são relativas à liberdade artística de expressão, alguns entendendo que a nota de repúdio implica censura, contraria a ordem democrática e atenta a própria cidadania. Lendo matérias que têm sido veiculadas em diversas mídias ou ouvindo entrevistas sobre o tema, também percebi que as pessoas que nos têm criticado tergiversam o assunto para fazê-lo recair e repousar na avaliação subjetiva da obra de arte : alguns dizem que gosto não se discute, outros que a obra é até bonita. Mas não tenho lido nem ouvido enfrentamento do ponto que me parece nodal : o desrespeito cívico – nem adentro às esferas criminal e civil – de se ridicularizar e ofender a Presidência da República e, indiretamente, o próprio Estado brasileiro. Isto, para não falar à guisa de Direito Internacional e das relações exteriores brasileiras, também ofendidas pelo artista plástico. De fato, gosto (nem mal gosto) não se discute; de fato, o pintor não é jejuno. Mas a liberdade de expressão é valor limitado. Aliás, o Direito não reconhece valores absolutos, bastando lembrar que nem mesmo o mais caro entre todos eles – o direito à própria vida – deixa de ser relativo, podendo ser minimizado nos exatos termos da Constituição Federal, que admite a pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5°, XLVII, a c/c art. 84, XIX). A liberdade de manifestação, inclusive a artística, é de fato conquista da democracia, vinda a custo não apenas do suor, lágrima e sangue da gerações passadas, como também de muitas vidas. Tal terá sido o preço da conquista que ninguém ousaria barganhá-la, muito menos a Ordem dos Advogados do Brasil – que ombreou com a sociedade civil organizada em todos os momentos de necessidade cívica e para manutenção, restabelecimento ou formação da ordem constitucional – e o IASP, cuja tradição centenária fala por si, não sendo o caso de lembrar aos menos avisados o importante papel exercido desde 1.874 em conquistas memoráveis da sociedade brasileira. É no mínimo desconhecimento de causa imputar à Ordem e ao Instituto a pecha de não-democráticos. Este país já viveu anos de chumbo, já se governou por atos institucionais e hoje – abstraindo-se por ora aspectos relativos à indispensável moralidade pública, do que, aliás, não prevarica o IASP, que promoverá mesa-redonda sobre o tema exatamente neste período eleitoral – franqueia a democracia do Oiapoque ao Chuí. As comparações portanto relativas à censura de alhures são absolutamente indevidas. Se antes havia a necessidade de serem cifradas mensagens em receitas de bolo ou músicas; se antes o Estado policiava as atividades do Judiciário e Legislativo, que funcionavam à sua autorização; se antes havia investigações e exílio à revelia do contraditório, enfim, se antes vivíamos num ambiente de censura enquanto regra e censura velada enquanto exceção e, se antes precisávamos da inteligência artística como forma de retaliação à opressão, hoje em dia parece ser um discurso de aproveitamento pretender se dizer censurado nesta República. As preocupações cívicas do Estado brasileiro hoje são de outra ordem. Censura é um tipo em extinção. Devemos cuidar sim para que jamais sua bandeira seja desfraldada novamente, na vigilância permanente da liberdade de expressão. Mas não há liberdade de expressão que se sobreponha ao inexorável valor democrático, cívico e legal que possui a instituição da Presidência da República. Feliz é o povo que pode vaiar o seus Governantes, é verdade, mas é de uma tristeza tamanha transformar a vaia em atentado, a vaia em tiro, a vaia em degola. Nessa terra, senhora Presidente, em que tudo o que se planta dá, hoje colhemos os bons frutos das vaias, porque foram as vaias que transformadas em protestos e mais protestos e no caras-pintadas da quadra final do século passado que nos trouxeram a esta nova e recém parida ordem social e democrática. Mas, senhora Presidente, receio muito, mas muito mesmo que esse novo formato de vaia, que substitui a entonação verbal e o grito preso em revolver e faca, ou qualquer instrumento congênere, dê frutos de igual natureza. Ah !, quanta diferença há em vaiar e em apontar um revolver ou empunhar uma faca a míseros senhores já entregues à figura que parece ser a do carrasco, como se estivem pegando os pecados da humanidade ! Quaisquer que tenham sido os erros cometidos a representação artística, se é que pretende denunciá-los ou criticá-los negativamente também desrespeitou a ordem constitucional que veda, neste país, o estabelecimento tanto da pena de morte, quanto de penas cruéis. É de um lamento profundo qualquer extrapolação de Direitos numa sociedade que se inspira pelo boa-fé, pela eticidade e pela função social não digo aqui de um contrato, porque não é o caso, mas, seguramente, da própria expressão artística e do que o seu exercício democrático representa. A entrevista concedida pelo artista plástico, ademais, é de igual forma infeliz porque às vésperas do pleito aos cargos máximo do Executivo Federal e Estaduais e dos cargos de composição legislativa Federal e Estadual proclama o não-exercício da ferramenta democrática, o voto, que nem sempre foi ofertada à sociedade brasileira. Mas esta República, desafiando mesmo a recalcitrância de alguns, não deixará de ser reconhecida como referência eleitoral a democracias muito mais antigas, mas, que se apoiam em nossa metodologia para as suas próprias eleições, importando nosso espírito cívico, ainda que de sobra possuam tecnologia ainda mais e muito mais avançada que a nossa. Por fim, os argumentos relativos a muitas obras artísticas que supostamente teriam merecido 'censura' (para manter o termo, em raciocínio ad argumentandum) do IASP e da Ordem impressionam apenas à primeira vista – e somente a quem não sabe separar o joio do trigo. Rejuvenescido em meus ideais democráticos e cívicos, senhora Presidente, sou solidário à sua manifestação e dela me alegro, tanto como Diretor do IASP, quanto como cidadão privilegiado com o nascimento dentro destas fronteiras, tão belas, quanto amadas, Brasil ! Um abraço brasileiro a todos,"

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