Ficha Limpa

22/9/2010
Ricardo Matos Damasceno

"Infelizmente, falece razão ao respeitabilíssimo professor Dalmo de Abreu Dallari quando ele forceja em apodo a Migalhas (Migalhas 2.474 - 20/9/10 - "Panfletários"). Os que opinam em favor da Lei Ficha Limpa não são mais cônscios da Lei Maior do que os demais. Por outro lado, a que 'moralidade' se reporta o nobre constitucionalista brasileiro, cujas obras, aliás, sempre reverenciei ? Não se pode, a bem da higidez interpretativa, adotar mero critério subjetivo para conceituar-se moral. A 'moralidade' a que alude o artigo 37 da CF/88 não constitui senão expressão de normatividade e não pode ser expressão maior do que a própria legalidade, sob grave risco de se perderem todos os referenciais em que se estribam as relações intersubjetivas. De mais a mais, impõe-se aos defensores da LC 135 explicar o mecanismo pelo qual alguém pode ser 'inelegível' sem ter suspensos os direitos políticos, em função de causas atinentes a condenações penais ?! Nem se ventilem distinções conceituais entre elegibilidade e capacidade eleitoral passiva. Outrossim, se uma condição de elegibilidade interfere no acolhimento deste ou daquele registro, há de ter-se alterado, à evidência, o processo eleitoral, sobretudo porque o instituto aí não se restringe à mera noção de 'processualidade' ou de 'instrumentação jurídica' voltada à obtenção de um resultado eleitoral. O 'processo' aí não está semanticamente restrito à ideia de 'atos concatenados'. O 'processo eleitoral' compõe todo o conjunto de valores e de elementos a regerem o pleito, capaz de, por si mesmos, estabelecer restrições ou ampliações de juridicidade no campo eleitoral. Ademais, (a)moralidade não decorre, na expectativa da lei, senão de critério objetivo (condenação), não havendo, pois, no contexto, nenhum conceito de 'moral religiosa', de 'moral filosófica' ou de 'moral metafísica'. Pode ser reputado 'amoral' quem restou processado e condenado sem trânsito em julgado ?! De que moral se está realmente a falar. Outra coisa : improcede a tese de que o 'princípio da presunção 'juris tantum' de inocência' esteja restrito ao campo unicamente penal. Por acaso, o 'devido processo legal' e respectivos corolários (ampla defesa e contraditório) se limitam à excussão de bens e à alienação estatal da liberdade ?! Ao que me parece, não. Ninguém de sã consciência nega aplicação ampla do 'due process of law' a processos ou procedimentos em que haja risco de suprimir-se ou negar-se algum direito."

Envie sua Migalha