Operações da PF

22/7/2005
Gustavo Renato Fiscarelli Advogado – Araraquara/SP
SALVE-SE QUEM PUDER OU INVADE-SE ONDE QUISER? O que para muitos pode parecer o corriqueiro cumprimento de uma função legal, ou, para os menos informados, um mero preciosismo da classe, para nós, advogados, as invasões arbitrárias que vêm ocorrendo nos escritórios de advocacia espalhados pelas mais diversas localidades deste país, configuram flagrante desrespeito às garantias individuais previstas constitucionalmente, bem como às prerrogativas inerentes à classe. Para início da tese a ser acastelada, convém citarmos um trecho do discurso do Lord Chatham no Parlamento Britânico, que foi muito bem aproveitado pelo ilustre doutrinador Alexandre de Moraes, em sua obra Direito Constitucional: “O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar”. Com base nesta idéia, a Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da inviolabilidade domiciliar ao dispor em seu art. 5º, XI, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”. Quanto ao preceito constitucional acima citado, mister tecer algumas considerações que se mostram de cardeal importância. Primeiramente, insta salientar que, no âmbito constitucional, o termo domicílio tem um caráter mais abrangente do que no direito privado, podendo-se considerar também, numa extensão conceitual, como sendo o local onde se exerce alguma profissão ou atividade, desde que constitua um ambiente fechado ou de acesso restrito ao público; no caso, os escritórios de advocacia. Segundo, que a CF/88 concretizou a garantia constitucional pertinente à inviolabilidade constitucional ao relativar tal preceito, indicando expressamente suas raras exceções, especialmente e sem falsa coincidência, a possibilidade de restrição a este direito, durante o dia, por determinação judicial. Nesta esteira, a Lei Federal de nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), estabeleceu em seu Capítulo II, art. 7º, II, como sendo direito do advogado, “ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB”. Posto isto, nota-se que no atual governo, principalmente, a Polícia Federal ganhou nova conotação e importância. Freqüentadora assídua do noticiário diário, suas empreitadas tornaram-se sinônimos de ações de combate à corrupção, por meio de mega operações, mobilizadoras de grande efetivo de agentes federais, o que vem culminando, de forma incontestável, na desarticulação de poderosas quadrilhas organizadas. Todavia, não raramente, o cerco a estas pessoas ou quadrilhas acabam resultando em ações discricionárias, para não dizer ilegais. O poder delegado a esta instituição somado a repercussão, na maioria das vezes, positiva de suas operações, faz com que a linha que divide a legalidade do abuso se torne mais tênue do que se imagina. Desde uma mega operação à prática de um simples ato, o desrespeito vem sendo o mesmo. Entretanto, enfatiza-se que as arbitrariedades que vêm ocorrendo nas operações da Polícia Federal têm tido o respaldo das autoridades judiciárias competentes. Isto porque, cabe a estas últimas a palavra final em alguns dos atos da persecução penal, notadamente, e aqui reside nosso interesse, na emanação de mandados de busca, vergonhosamente genéricos, sem qualquer particularização quanto ao que ou quem se procura, o que acaba, por conseguinte, abrindo caminho para a discricionariedade e ao desrespeito. Com certeza, ao exigir a determinação judicial como pressuposto indispensável para se adentrar em qualquer domicílio, sem autorização de seu dono, a norma constitucional o fez priorizando a proteção e não a violação. Como é cediço, no interior de um escritório de advocacia encontram-se arquivada documentalmente a vida e o sigilo de inúmeros clientes, que, na maioria das ocorrências, não guardam qualquer relação com aquilo que é procurado nas operações. Por esta razão, estas buscas, da forma que estão sendo conduzidas, além de consistirem violação aos direitos já citados, evidenciam o descaso dessas autoridades com aqueles indivíduos, alheios à situação, e que confiaram ao seu advogado seus maiores segredos. Por tudo o que foi exposto, conclui-se, portanto, que, aos magistrados, incumbe a prolação de ordens judiciais que respeitem os pilastes da cautela e da especificação, fazendo indicar claramente o que se busca e o que se pretende com determinada medida; àqueles incumbidos de cumprir as decisões judiciais, que o façam dentro dos limites legais, dispensando atitudes prepotentes e priorizando atos coerentes; por último, aos advogados, lembrar sempre que somos nós que empunhamos a espada na guerra contra a injustiça, portanto, ajamos. Contudo, urge salientar, aos advogados, que o sigilo profissional não deve ser confundido com o sigilo proposital, assim como, aos magistrados, que a premiação pela presunção que se torna realidade não apaga as marcas deixadas pelo excesso. Gustavo Renato Fiscarelli Advogado – Araraquara (SP)
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