Artigo - Os direitos do nascituro. O nascituro como sujeito de direito

7/11/2011
Anselmo Carvalho Santalena

"Muito longo e cansativo o texto em questão (Migalhas 2.750 - 7/11/11 - "Direitos do nascituro" - clique aqui). Ademais, não explica, só complica. Vai minha contribuição: aula LFG do professor Pablo Stolze. Lembra Clóvis Bevilácqua que, a personalidade para o direito não é apenas um processo de atividade psíquica, mas sim uma criação social moldada pela ordem jurídica. A personalidade é criada pela sociedade e moldada pela ordem jurídica. O conceito da Psicologia é diferente do conceito jurídico. Para o direito, a personalidade é a aptidão genérica para se adquirir direitos e obrigações na ordem jurídica, ou seja, é a qualidade para ser sujeito de direito. Em que momento a pessoa adquire personalidade jurídica? Aparentemente, a resposta está no contida na primeira parte do art. 2º do CC que diz: 'a personalidade da personalidade civil começa a partir do nascimento com vida'. Em que momento a pessoa física adquire a personalidade jurídica? Em uma interpretação literal, à luz do art. 2° do CC, a personalidade jurídica é adquirida a partir do nascimento com vida. Nascer com vida? Traduz o seguinte: operar-se o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório do recém-nascido, independentemente da forma humana e de tempo mínimo de sobrevida, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nascer com vida significa o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório do recém-nascido (Resolução 1 do Conselho Nacional de Saúde). O exame para saber se o recém-nascido respirou é denominado Docimasia Hidrostática de Galeno. Assim, ao nascer com vida ele se torna sujeito de direito, ainda que sobreviva apenas durante segundos. Diferentemente da orientação do art. 30 do Código Civil da Espanha, o direito brasileiro, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, não exige do recém-nascido forma humana nem tempo mínimo de sobrevida. O CC da Espanha somente considera o recém-nascido na forma humana e com tempo de vida de no mínimo 24h. Conforme o art. 2° do CC brasileiro, segunda parte, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. Existe uma aparente contradição, pois na primeira parte o dispositivo prevê que a personalidade inicia-se com a vida. Ao se referir ao nascituro (aquele que ainda, embora concebido, não nasceu) reconhece em seu favor direitos. Ora, se o nascituro é dotado de direitos, não deveria ser considerado uma pessoa? A doutrina diverge sobre o assunto e daí se faz necessário abordar as teorias abaixo. Teorias explicativas do nascituro - Natalista (mais conservadora)? Para esta teoria, o nascituro é apenas um ente concebido ainda não nascido, desprovido de personalidade, vale dizer, o nascituro não é pessoa gozando apenas de mera expectativa de direitos (Silvio Rodrigues, Silvio de Salvo Venosa, Eduardo Espínola, Vicente Ráo e outros). A maioria da doutrina defende esta teoria, embora clássica e conservadora (tradicional). Sustenta que a personalidade jurídica somente é adquirida a partir do nascimento com vida, de maneira que o nascituro não seria considerado pessoa, tendo mera expectativa de direito. - Concepcionista (mais moderna)? (de influência francesa) Esta é a teoria adotada pela doutrina moderna, embora seja muito antiga (Clóvis Bevilácqua, Teixeira de Freitas, Silmara Chinelato e Maria Berenice Dias). Para esta teoria, o nascituro seria considerado pessoa para efeitos patrimoniais ou extrapatrimoniais, desde a concepção. No momento em que nasce com vida, opera-se um efeito ex tunc, para ser considerado pessoa desde a sua concepção. Esta teoria explica com mais lógica a segunda parte do art. 2º do CC. Esta é a que melhor explica a natureza jurídica do nascituro. Com base na teoria concepcionista, inúmeros direitos podem ser reconhecidos ao nascituro, inclusive o direito à vida, aos alimentos, ao pré-natal, etc. Podem receber até doação, legado ou herança, tendo em vista que tem personalidade jurídica. Pode ser nomeado um curador para administrar o interesse do nascituro. Tudo isso demonstra que o nascituro possui direitos, e não mera expectativa. Obs.: há uma corrente intermediária. Citada por alguns autores, como por exemplo, Maria Helena Diniz, denominada Teoria da Personalidade Formal ou Condicional. Para tal teoria, o nascituro ao ser concebido teria uma simples personalidade formal, permitindo-lhe gozar de direitos personalíssimos. No entanto, só viria a adquirir direitos patrimoniais sob a condição de nascer com vida (Arnoldo Wald e Serpa Lopes). Assim, no que tange aos direitos patrimoniais, o nascituro não é considerado sujeito. Afirma-se que o nascituro seria dotado apenas de uma personalidade limitada a certos / a determinados direitos personalíssimos e apenas torna-se pessoa na concepção plena do termo a partir do nascimento com vida. Qual a teoria adotada no direito brasileiro? Material de apoio - quadro esquematizado que enumera várias situações legais de tutela do nascituro. Nesse sentido, pode-se apresentar o seguinte quadro esquemático, não exaustivo: a) o nascituro é titular de direitos personalíssimos (como o direito à vida, o direito à proteção pré-natal etc.); O art. 7. do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que: 'a criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência'. b) pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos; c) pode ser beneficiado por legado e herança; d) pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses (arts. 877 e 878, CPC); e) o Código Penal tipifica o crime de aborto; f) como decorrência da proteção conferida pelos direitos da personalidade, concluímos que o nascituro tem direito à realização do exame de DNA, para efeito de aferição de paternidade; g) sufragamos, ainda, a possibilidade de se reconhecer ao nascituro direito aos alimentos. h) e, finalmente, em 2008, fora aprovada a lei dos 'alimentos gravídicos', que reconhece ao nascituro direito aos alimentos. Na esteira do pensamento de Clóvis Bevilácqua (Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Editora Rio, 1975, pág. 178), o legislador teria adotado a Teoria Natalista 'por ser mais prática', mas cedeu aos encantos da Teoria Concepcionista em inúmeros pontos do sistema que tratam o nascituro como pessoa. Aspectos relevantes versus questões especiais de concurso (aqui ficará claro que o nascituro tem tratamento de pessoa): 1– ALIMENTOS: firme a jurisprudência do TJ/RS (Agravo de instrumento 7000642996). Reforçada pela recente lei 11.804/08, que dispõe sobre os alimentos gravídicos, reconhecendo o direito de alimentos à mulher gestante. A maioria da doutrina não aceitava o direito de alimentos em favor do nascituro com fundamento na Teoria Natalista. Porém, o STJ decidiu que, não pairando dúvida sobre o envolvimento sexual entre a investigante e o investigado, e havendo a necessidade da gestante, justifica-se o direito de alimentos à gestante. 2 – DANO MORAL: com base na teoria concepcionista, vale lembrar que o STJ, já admitiu inclusive, no REsp 399.028/SP, dano moral ao nascituro. Ex: mãe grávida x pai assinado. Ex2: mãe grávida versus pai sendo torturado na ditadura. Por fim, não se confundem o nascituro, o embrião e o natimorto. Nascituro: é aquele ente concebido no ventre materno. É um embrião com vida intra-uterina (que é diferente de prole eventual); Embrião: é o que tem vida intra-uterina com embrião congelado em laboratório. Ao embrião manipulado não se utiliza a expressão 'nascituro'; Natimorto: é o nascido morto que não respirou. A natureza jurídica do nascituro é de um sujeito de direito despersonificado. O regime jurídico do nascituro é dotado dos seguintes atributos: a) a lei põe a salvo seus direitos desde a concepção; b) quanto aos direitos patrimoniais, eles existem, mas sob condição suspensiva, que é o nascimento com vida (ex: podem ocorrer na sucessão - 1.798 do CC; no contrato de doação - art. 542 do CC); c) quanto aos direitos da personalidade, o nascituro tem direito à vida, à filiação, à assistência pré-natal, aos alimentos, ao nome e a honra, etc. Se a mãe for incapaz, o representante do nascituro será o curador dela. O enunciado 1 da 1ª Jornada Direito Civil firmou entendimento no sentido de que o natimorto goza de tutela jurídica no que tange ao nome, a imagem e a sepultura. São direitos com eficácia post mortem."

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