Crise política

12/9/2005
José Celso de Camargo Sampaio – escritório Demarest e Almeida Advogados

"Senhor Diretor: Leitor assíduo de Migalhas, tenho por vezo, devorar, de uma assentada, suas notícias e, de resto, abeberar-me nos oportunos comentários feitos pelos leitores/migalheiros. Claramente, com alguns, concordo; com outros, nem tanto; por fim, há aqueles dos quais divirjo radicalmente. É a beleza dos debates, tão próprios da dialética. Li, no Migalhas 1.249, do dia 9, um comentário do Sr. Celso Soares Carneiro, sob o título CRISE - BASTA! - em que são apresentadas algumas propostas de cunho, ao que parece, pretensamente moralizador, com o objetivo de uma reforma política. Entre outras, atenho-me a duas sugestões oferecidas e que me pareceram impróprias e, até estouvadas. Primeiramente, aquela que aventa conceder competência estadual concorrente para legislar sobre matéria penal... À evidência, seria, manifestamente, inconstitucional a lei ordinária que assim dispusesse, uma vez que feriria princípios pétreos da Constituição, com abalo do próprio princípio federativo. Demais, seria um disparate, cada Estado da Federação, disciplinasse, legislando e dispondo sobre direito penal... criando crimes, descriminando, ao talante do legislador local. Se o Direito Processual, Civil ou Penal, ainda teve alguns defensores de modo a advogar que cada Estado tivesse sua própria legislação de processo, no que diz respeito ao Direito Penal, que é substantivo, desconhecem-se estudiosos (políticos, juristas, máxime penalistas) que advoguem a idéia de sua dispersão, isto é, não unificação, permitindo, assim,  que cada Estado da Federação venha a legislar sobre matéria de Direito Penal. De outra parte, a proposta que  diz respeito a que as autoridades públicas, nos crimes  comuns, sejam julgadas por tribunais especiais de 15 jurados...é desútil e arriscado. De início, "autoridade pública" é conceito, aqui, muito vago.  "Crime comum", de outro lado, tem uma amplitude descomunal e chega-se ao ponto de se considerar uma "autoridade pública" sendo julgada por um tribunal a respeito de um crime de trânsito ou de desacato... Mas, o mais sério é que esse sugerido tribunal seria um tribunal de exceção, expressamente vedado pela Constituição Federal, de modo que jamais poderia ser adotado...Os próprios tribunais do júri, que, a despeito de serem tradicionais no direito pátrio, já são contestados pela sua vetustez, quanto mais, tribunais de exceção, adrede convocados para julgamentos de cunho, claramente políticos. Isso cheira a tribunais cubanos...tribunais do povo, da antiga União Soviética, de pouca saudosa memória. Mas, se as propostas acima transcritas já se ofereceram despropositadas, porque lançadas sem nenhum prévio estudo ou suporte de ponderação, mais ainda se mostraram estapafúrdias as justificativas apresentadas para a criação desses malfadados tribunais de exceção, destinados ao julgamento das autoridades públicas. Segundo se disse, o julgamento por esse tribunal "popular" reduziria os riscos de influência política em julgamentos... Ora, O Presidente da República, os Ministros de Estado, os Senadores e os Deputados são julgados pelo Supremo Tribunal Federal, composto por Ministros vitalícios. Ora, entender que quinze jurados, escolhidos ao acaso, sofreriam menos influência do que os Ministros togados do Supremo Tribunal Federal é uma colocação extremamente populista e perigosa. De outra parte, os Governadores dos Estados são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, integrado por magistrados de conceito elevadíssimo. Supor que o julgamento levado a efeito por 15 jurados leigos, catados aqui e ali, seriam menos imunes a influências, em cotejo com os Ministros da Corte Superior, é uma colocação preconceituosa e sem nenhuma razão séria. Por fim, os Prefeitos Municipais são julgados pelos Tribunais de Justiça de seus respectivos Estados e seria uma aleivosia supor que os Desembargadores dos Tribunais de Justiça sofressem maiores influências em suas decisões que os 15 jurados locais, escolhidos a esmo para julgar o alcaide incriminado... Demais, sob o ponto de vista processual, quem escolheria os jurados para compor o Conselho? Os juízes? E, quem presidiria à instrução criminal, com a conseqüente colheita das provas? O juiz togado, ou um dos jurados...? Se a desconfiança se dá lá, há de se dar aqui também. Todo açodamento em se alterar, a toque de caixa, legislação, em matéria tão relevante, é de ser evitado. Toda precipitação, em período de crise, sob os eflúvios de encontros e desencontros, nos leva a propor soluções miraculosas (de milagreiros, andamos até à tampa) deve, também ser obtemperada. "Embargos auriculares" é jargão inapropriado para uma discussão séria e essa desconfiança generalizada não é sinal de senso comum. "Outros truques", se houver, são chicanas e a se crer que o judiciário esteja à sua mercê, é melhor fechar as portas dos Tribunais, entregar as chaves a alguém de plantão, de preferência a um notório membro de alguma organização populista e mandar às urtigas, sem demora, o estado de direito. E seja o que Deus quiser! Atenciosamente."

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