Bons ares

28/10/2005
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"A corte de apelações de Den Bosch (Holanda) decidiu, em julho de 2004, que uma composição de perfume pode ser objeto de direito de autor (Lancôme vs. Kecofa – CO200726/MA). Tratava-se do perfume 'Female Treasure', cuja composição fora copiada por Kecofa. A decisão do Tribunal holandês estabeleceu que 'o aroma, mais que a composição, do perfume de Lancôme era qualificado para a proteção por direito de autor'. Comentando essa decisão, Thomas G. Field Jr, escreveu que ela 'afetará todos os produtos que tenham um apelo olfativo exclusivo, incluindo, por exemplo, muitas misturas de condimentos e sabores' (spices and flavorings). (in IDEA, publicação do Franklin Pierce Law Center, vol. 45, nº 1, 2004, pp. 19 e segs.). O Tribunal entendeu 'que o material que fornece o aroma pode ser percebido através dos sentidos e é suficientemente concreto e estável para ser considerado uma obra conforme a Lei de Direitos de Autor de 1912'.Essa conclusão seria viável perante as leis brasileiras? Vejamos. Um aroma não poderia constituir uma marca registrada, já que o art. 122 da nossa Lei de Propriedade Industrial estabelece que só são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis. Como desenho industrial ou modelo de utilidade também não encontraria tutela, já que  cobrem esses títulos formas bi ou tridimensionais. O aroma poderia consistir em uma invenção, já que o art. 8º da Lei de Propriedade Industrial declara ser patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial? Mas, o art. 10 exclui, no inc. IV, as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética! Seria o aroma uma criação estética? O rol de obras intelectuais protegidas no art. 7º da Lei de Direitos Autorais não menciona os aromas, entre as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível. Menciona textos, composições musicais, audiovisuais, desenhos, pinturas, obras plásticas, mas não aromas. E nem sabores... Todos sabemos que o rol do art. 7º não é exaustivo. Assim, devemos nos ater às criações do espírito, que falam aos sentidos, sejam quais forem. Não há motivo para excluir o olfato e o paladar. Lembre-se que a Lei de Propriedade Industrial de 1971 excluía da patenteabilidade os produtos farmacêuticos e os alimentos. A lei atual, que revogou aquela, eliminou tais restrições. Assim, pela Lei de 1996, os alimentos são patenteáveis. E os perfumes também. Desde que produzam um efeito técnico. Se o efeito se exerce perante os sentidos, não se trata mais de técnica, mas de gosto, ou seja de arte. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial não deverá conceder patente para um alimento porque ele é mais saboroso. Ser saboroso é do campo das artes, e não da técnica."

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