PL - Classe de superservidor

14/3/2014
Thiago Raphael

"Senhores editores, venho manifestar profunda decepção com o conteúdo de matéria publicada no sítio Migalhas(Migalhas 3.326 - 13/3/14 - "Imbróglio na Justiça Federal" - clique aqui). Trata-se de um texto desrespeitoso, que veicula informações mentirosas, revelando grave desconhecimento dos regime constitucional e das instituições do país. Em suma, um sítio que se propõe a tratar de temas jurídicos deve, no mínimo, observar as balizas do  Direito, mostrando texto racionalmente aceitáveis sob esse ângulo. Na verdade, o referido texto faz um desserviço à Nação, manipulando e corrompendo o contexto, com o claro objetivo de atender a interesses mesquinhos de uma minoria de sindicalistas, desinformando a sociedade da real situação administrativa do STF. Triste mesmo. Vê-se ali uma matéria que se propõe a defender o sacrifício da funcionalidade da instituição que guarda a Constituição, pugnando pelo desprestígio desta diante dos órgãos sujeitos ao respectivo controle jurisdicional, e isso apenas para curtir uma vaidade macabra cultivada por sindicalistas, vaidade mesquinha que, à margem das diretrizes constitucionais, tem sujeitado a Suprema Corte ao papel ridículo de mero 'trampolim' para outros órgãos. É bom lembrar que a própria compleição jurídica do Estado brasileiro que preconiza o controle do mútuo de órgãos equivalentes. Um editorial de sítio jurídico deveria saber disso, porque é elementar.  Essa mecânica, designada de 'freios e contrapesos', somente se desenvolve de modo eficaz quando os órgãos envolvidos estão dotados de estruturas equivalentes, o que naturalmente inclui terem as condições de recrutar recursos humanos do mesmo nível. O STF é órgão do Judiciário. Isso ninguém discute, porque até as pedras sabem. Mas alguém vai sustentar que o Judiciário é um órgão só? Órgão é uma espécie de um individualização de atribuições dentro do Estado, as quais levam a efeito o exercício de determinadas competências (atrigo 102, CF). O STF é órgão autônomo, dotado de estrutura própria, a qual deve estar alinhada no patamar das respectivas atribuições, que inserem na competência singular própria da Suprema Corte. Os servidores do STF não são melhores do que ninguém, do mesmo modo os do Senado, os da Câmara também não o são. O STF fato é que, como instituição fundamental para dinâmica do 'check and balances' na cúpula do Estado, carece de maior respeito e deve ter condições de recrutar os melhores talentos humanos de âmbito nacional, tal qual o Senado e a Câmara.  Aliás, sempre foi assim. Nesse sentido, confiram-se: lei 264, de 25 de fevereiro de 1961; lei 3.890, de 18 de abril de 1961; lei 5.985, de 13 de dezembro de 1973; lei 5.986, de 13 de dezembro de 1973; lei 6.328, de 4 de maio de 1976; decreto-lei 1.533, de 11 de abril de 1977; lei 6.474, de 30 de dezembro de 1977; lei 7.299, de 14 de março de 1985; lei 7.707, de 21 de dezembro de 1988, e lei 8.225, de 9 de setembro de 1991. Como já mencionei anteriormente, todos esses diplomas disciplinavam e respeitavam o regime funcional próprio dos servidores do Supremo, o que é natural, pois é imposição do regime constitucional. Vale lembrar que o rompimento da normalidade veio com a lei 9.421, de 24 de dezembro de 1996. Essa lei unificou o regime jurídico por meio de um jeitinho para contornar Constituição, teve iniciativa conjunta dos presidentes dos STF, dos Tribunais Superiores e do TJDFT, driblando a autonomia pregada pelo artigo 96,II,b, da lei Maior. A par desse aspecto, é mesmo grotesco achar que essa prática teve o condão 'constitucionalizar' essa ideia de carreira única para todos os órgãos do Judiciário custeados pelo orçamento da União. Vale lembrar que o conceito de cargo esta positivado no artigo 3º da lei 8.112/90. Em suma, cargo tem a definição identificada ontologicamente com a estrutura organizacional do órgão. Com efeito, ainda que não desempenhando a tarefa dos membros, qualquer cargo no STF integra a respectiva estrutura organizacional que, por sua vez, deve refletir as atribuições do órgão, respeitando, por consequência, o grau de responsabilidade como primeiro critério (artigo 39, 1º, I, CF). Enfim, a questão em jogo não é ser mesquinho. A questão é que o STF merece um quadro estável e a altura dos órgãos que controla. A realidade é cruel como o STF, pois em todo concurso do Senado, da Câmara, da AGU, do TCU, etc., o STF tem perdido inúmeros servidores, que se desligam apenas para ter uma remuneração melhor. No quadro da República, o STF é instituição menor que esses órgãos? Ao povo brasileiro, interessa que o guardião da Constituição continue capenga diante dos referidos órgãos? Vocês do editorial, como cidadãos, pensam realmente que STF tem de continuar pequeno diante de outros órgãos apenas em solidariedade com a sua insatisfação pessoal dos sindicalistas? O STF é instituição permanente e, ao retomar sua identidade administrativa, logrará medida absolutamente necessária para colher frutos a médio prazo. É instituição permanente, que tem a missão de servir a uma nação de 200 milhões de pessoas, da forma mais otimizada possível. Enfim, a descaracterização da identidade administrativa do STF não é solução para defasagem de remuneração dos servidores dos demais órgãos do Judiciário custeados pelo orçamento da União. É meu desabafo, firmado em profunda tristeza."

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