Nascituro

29/4/2014
Felipe Marçal

"No Migalhas de hoje, foi dito (em 'Nascituro') que 'lá como cá, a tendência é garantir, desde o ventre materno, os direitos da pessoa humana', em notícia referente a reparação por danos morais, decorrentes da morte do pai do nascituro (Migalhas 3.356 - 28/4/14 - "Nascituro" - clique aqui). No entanto, os julgados mencionados (caso do STJ português e do Rafinha Bastos) não tratam de reconhecimento de direitos da personalidade. Aliás, o próprio art. 2º do Código Civil, em sua parte final, já lhe garante proteção aos direitos da personalidade. Em meu entendimento, o que os Tribunais Superiores (português e brasileiro) têm feito é ir além: reconhecer direitos patrimoniais aos nascituros, e não meras expectativas de direitos patrimoniais, como entende a doutrina majoritária (e o próprio STJ nacional, em outras hipóteses). Afinal, não há qualquer dúvida acerca da diferença entre se tutelar os direitos patrimoniais e garantir reparação por violação a esses direitos. Isso decorre do fato de que a reparação por danos morais tem inequívoco caráter patrimonial, conforme reconhecem a doutrina e a jurisprudência. Com isso, está havendo verdadeira ampliação do entendimento anteriormente majoritário, de que ao nascituro se garante a tutela de direitos da personalidade, mas, em relação aos direitos de cunho patrimonial, só haveria mera expectativa de direito. Ouso, contudo, discordar do entendimento adotado por ambas as Cortes. Isso porque, a meu ver, o correto seria realmente garantir expectativa de direitos patrimoniais, como sugere a própria redação do art. 2º do CC, que 'põe a salvo' os direitos do nascituro, em vez de lhe conferir personalidade jurídica. Desse modo, a demanda que visa à reparação por danos morais deveria aguardar o nascimento do nascituro (com vida, diga-se) para que pudesse ser ajuizada (ou, na pior das hipóteses, ser proferida sentença condicional ao nascimento com vida). Em outras palavras, o STJ tem discordado da doutrina majoritária, que me parece mais correta, e conferido personalidade jurídica ao nascituro, extrapolando a redação do art. 2º do CC, ao afirmar que o nascituro não possui somente expectativa de direitos patrimoniais, reconhecendo a este sua titularidade. Nem se mencione a incoerência desse entendimento (nessa hipótese) específica com outros julgados em que o STJ expressamente alega a mera expectativa dos direitos patrimoniais do nascituro. Fica aqui a reflexão, esperando que a leitura chegue a, pelo menos, um dos ministros da nossa Corte Superior (já que, em Portugal, tenho maiores dúvidas de que o comentário chegará)."

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