Crime e castigo

12/1/2015
Luísa Ramos Botelho

"Quanto ao artigo do dr. Antônio Claudio Mariz de Oliveira, vinculado na notícia 'Crime e Castigo', é lastimável a recorrência ao argumento do ético para buscar abater a chamada delação premiada (Migalhas 3.533 - 12/01/15 - "Crime e castigo"). Não apenas porque revela um relativismo ético interesseiro, pois relativiza-se o ético ao definir que o crime não pode ser, eticamente, inferior à delação, mas, para se avaliar a delação em si, não se utiliza os mesmos critérios relativistas, mas, antes, defendem alguns que incentivar a delação é 'absoluta e claramente' antiético. Duas moedas, usadas conforme o interesse das partes e não o interesse comum da sociedade. Aqueles que falam do 'absurdo ético' que é a delação esquecem-se de uma ética anterior, a do delito, que envolve e prejudica um número normalmente imensurável de vítimas na sociedade, prejudicadas pelo mesmo. Hoje, defende-se a liberdade e a 'ética' do criminoso de não delatar outros criminosos, mas não a ética do interesse coletivo sobrepondo-se ao individual. Não a ética do crime ser considerado em si antiético e ser tratado como tal, sendo, o criminoso, eticamente sim tratado como um e, por isso mesmo, sujeito a seus deveres, que não podemos ser menores que seus direitos. Ou seja, é mais ético cometer o crime e esconder as informações relacionadas a esse que se tiver tido acesso - não, não há que se dizer que isso é interesse social. Mais vale a minha própria ética, que aqui não relativizo, e os meus direitos - que colaborar com a sociedade e com a recuperação dos bens jurídicos maculados para possíveis reparações. Que inversão completa de valores éticos é essa? Que parcialidade é essa utilizada quando se fala de ética? Que matriz ética estás a adotar? Claro, a que me interessa quando estou de cada lado. Sob o argumento de direitos humanos, ética, liberdade e Estado Democrático de Direito hoje, infelizmente, defende-se interesses próprios, muitas vezes de má-fé. Não que tais institutos não sejam importantes, de forma alguma, são essenciais. Mas é que nem tudo que eles são 'usados' para proteger são de fato o que eles definem. Faltam estudos sobre tais assuntos. Faltam definições e, sobretudo, falta bom-senso e empatia na aplicação da lei e na execução dos operadores jurídicos. Esquecem que o fim último é a sociedade. O direito deve melhorá-la, e não ela ser usada para se defender interesses próprios no ramo jurídico, assim como ocorre com a ciência e outras criações humanas. A coletividade é a motivação do direito que deve sempre ser a peneira para se ver o que é ético/democrático em cada contexto. Democracia é prevalecer o bem coletivo sobre o individual, não o individual - ainda mais se deliquente - sobre o bem público da maioria, sobre o dinheiro público desviado e sobre o retorno que a sociedade deixou de receber em prol do favorecimento de poucos dentro dela. Quando fala-se de deveres, muitos querem ser diferentes do resto da sociedade, para se beneficiar e sobressair em seus ganhos. Mas, quando fala-se em direitos, são os mais interessados nas garantias individuais - não que não devam ser atendidas por elas, mas, não haveria um desequilíbrio, uma má-fé e exploração da desigualdade nessas atitudes? E o direitos não estaria se servindo de instrumento para tais? O crime aqui não vem acompanhado do castigo de Dostoiévski, não o interior. Manipulam-se as leis ao bem querer. E quem não assim faz, fica em desvantagem. É o direito sendo utilizado para fortalecer injustiças, é a Justiça que, cega, cria injustiças. Estamos mais para uma sociedade de Ensaio sobre a Cegueira do que para uma sociedade de Crime e Castigo. Sem exageros, sem desequilíbrios, nem pros castigos, mas também nem para os crimes."

Envie sua Migalha