Fornecimento de remédio

13/2/2015
Vitor Guglinski

"Essa decisão encontra-se totalmente divorciada da realidade e em flagrante dasafino com a CF/88 (Migalhas 3.557 - 13/2/15 - "Inicial x Terminal" - clique aqui). Argumenta-se que o ativismo judicial arrojado coloca em risco a exequibilidade das políticas de saúde pública, redundando na desorganização da atividade administrativa, comprometendo, assim, a própria realização das diretrizes constitucionais relativas à garantia a saúde como direito fundamental, tendo em vista a universalidade desse tipo de prestação estatal e dos princípios relacionados ao orçamento e à reserva do possível, esta entendida, segundo lição de Kildare Gonçalves Carvalho, como sendo 'aquilo que o indivíduo poderia esperar razoavelmente da sociedade e garantidos na medida do possível e do adequado'. Além disso, a atuação judicial estaria a se sobrepor às ponderações já previa e abstratamente realizadas pelo legislador quando da criação da norma. Abrindo um breve parêntese, e com vistas a engrossar o coro dos críticos da política brasileira, basta que liguemos nossos televisores nos noticiários diários ou acessemos outras mídias para que percebamos, sem dificuldades, a que passos anda nossa política. Só pra citar fatos relativamente recentes, alguns elementos que congregam os organismos responsáveis pela consecução das políticas necessárias à afirmação dos direitos expressos na Constituição têm levado ao 'pé da meia', digo, ao pé da letra - se me permitem o trocadilho - a questão relativa a formação de um 'pé-de-meia' para garantir o próprio futuro. Outros, como se sabe, recorrem a peças mais íntimas do vestuário para guardar o dinheiro público desviado, sem nos esquecermos que o ex-presidente Lula, em seu mandato, concedeu empréstimo de dinheiro ao FMI, o governo do PT destina a Cuba a maior parte do salário dos médicos cubanos, comprou-se uma refinaria de petróleo em Pasadena a preço de ouro, enquanto o preço deveria ser de banana, considerando sua produtividade, enfim, o dinheiro público escoa pelo ralo. Sendo assim, com vistas nestes fatos amplamente divulgados na mídia, não há alicerces suficientemente robustos para afirmar que o orçamento brasileiro é deficitário. Dentro dessa ótica, então, não subsistem argumentos favoráveis à tese de que o ativismo judicial compromete a realização das políticas públicas necessárias à garantia dos direitos constitucionais referentes à saúde. O dinheiro existe, e é farto (pros corruptos, é claro). O Estado, nas esferas legislativa e executiva é desorganizado por excelência, afigurando-se até mesmo hilária a pretensa tese que atribui ao Judiciário, através de decisões que visam garantir irrestritamente o direito à saúde, a culpa (ou parcela dela) pelo emperramento das políticas em tela. Entretanto, deixando de lado as conjeturas políticas, e passando aos aspectos jurídicos da questão, registre-se, inicialmente, que a saúde é atributo indissociável do direito à vida; é um direito de primeira grandeza, que integra o rol dos direitos humanos. Isto é, nascem com o ser humano e lhes são inerentes, independentemente de positivação pelo Direito, nada obstante a importância de assim o ser hodiernamente em âmbito mundial. São, na dicção de Paulo Henrique Gonçalves Portela, 'direitos essenciais para que o ser humano seja tratado com a dignidade que lhe é inerente e aos quais fazem jus todos os membros da espécie humana, sem distinção de qualquer espécie'. São, portanto, direitos que pertencem a todos os indivíduos indistintamente, encontrando-se neste argumento uma das justificativas para a intervenção arrojada do Judiciário nas questões envolvendo a garantia do direito à saúde, uma vez que, nesse aspecto, um indivíduo brasileiro em nada difere de indianos, turcos, esquimós, japoneses, russos, americanos, australianos, enfim, de indivíduos de qualquer parte do mundo, dado este traço comum que une a humanidade. Sendo assim, não há razão para a prevalência do argumento político, no sentido de que garantir a vida ou a saúde de um único indivíduo, via tutela jurisdicional, implica no comprometimento das políticas que visam à universalização do acesso à saúde."

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