Campanha - Exame de Ordem

3/3/2015
Cleanto Farina Weidlich

"Ainda sobre o fim do exame de Ordem, lembrei de um amigo - da área de engenharia - quando enfrentava alguma situação inversa, absurda, ilógica, por aí em fora (Migalhas 3.566 - 02/3/15 - "Exame de Ordem - I" - clique aqui). Opinar sobre o tal exame de Ordem, como vem fazendo os que o defendem e lutam pela sua manutenção, para esse meu amigo, e para mim, agora na corona, 'é o mesmo do que começar a construir uma casa pelo telhado'. Já explico. Resumindo a maioria dos comentários e escólios que me chegaram sobre o tema, vejo os defensores do exame, lá alto, sem qualquer base, alicerce, estrutura e fundamentação - no caso a jurídica e constitucional - tentando construir o tal telhado, sem nenhuma casa embaixo, e sem qualquer alicerce. A resposta para a questão está dentro da Constituição, e lá - como já defendido e combatido alhures, por mim, e por tantos outros bons brasileiros - que estudaram minimamente e assimilaram as nossas 'emendas', existe insculpido entre os nossos direitos e garantias individuais e sociais, o da livre iniciativa laboral, e ainda, o princípio da isonomia (que nosso imortal Ruy, apregoava não existir princípio mais alto do que este em todas as Constituições livres), e mais, o da dignidade da pessoa, como valor axiológico da nossa maravilhosa carta política. No caso telado, teremos de utilizar, assim como os romanos souberam distinguir claramente entre o jus e a lex. Sendo esta uma norma imposta pela vontade política, insuficiente para prever as realidades sociais, ao passo que o jus designa aquilo que é justo e equitativo em si e é obrigatório para todos por qualquer causa que seja. A interpretação do magistrado - escreve Mommsen - tornará inúteis as leis mal soantes, ao menos até onde era possível obviar estes males. Assim, puderam conciliar-se em Roma, na medida das forças humanas, as duas condições necessárias e opostas de toda boa jurisprudência: a fixidez e a flexibilidade, que sabe acomodar-se às exigências dos tempos. Assim, o Direito Pretoriano, em sua relação como o Direito Civil, conciliava o progresso com a tradição, as abstrações da lei com a realidade social. Ninguém quer que a lei se respeite por ser lei - disse Cícero. Interpretemos as leis, se queremos ser úteis à República, conforme ao bem e utilidade da própria República. Como belamente diz Puig Brutau: O Direito é como uma metáfora posta à serviço da Justiça. - Mediante hábeis raciocínios, intuindo, pesando, apoiando-se na ciência dos juristas, na opinião pública e na equidade contra o Direito escrito, os pretores incorporavam um novo princípio, um novo conceito através do seu edito, que serviam de fonte para uma nova lei. Assim obtiverem acertos os quais não se pode se não admirar, porque são criações da inteligência, no sentido prático e de Justiça. Atuando com suma prudência, e adequando o Direito estrito às contingências, procuravam não afetar a lei. Não ficavam prejudicados os direitos reconhecidos por ela, mas se alterava o exercício deles. Daí, então não parecer exagerada a afirmação de que o juiz mais sublime que a história universal conhece é o pretor romano. Em todos os casos em que havia um conflito entre um interesse controvertido e a lei, a jurisprudência antiga adaptava a lei aos interesses e necessidades da época e fazia a interpretação segundo eles mudavam. Os romanos chamaram de jus civile, no sentido estrito, ao direito que livremente procede da Lei das XII Tábuas. A cooperação dos jurisconsultos, nesta obra, se denomina interpretatio, que não era uma simples explicação da lei, mas, como o próprio nome indica (intérpres: conciliador, negociador), conciliação do Direito estrito com as exigências da vida. Com a interpretação propriamente dita das disposições da lei, a jurisprudência satisfez as necessidades crescentes da vida e manteve a lei à altura dos progressos do tempo. Assim foi porque não se apoiou só na Lei das Doze Tábuas, mas porque sua interpretatio estendeu-se a todo o desenvolvimento do Direito segundo o seu espírito e teve força criadora, nas palavras de Savigny. Portanto, a função do pretor foi criadora, não simplesmente interpretação pura. Fez verdadeiras inovações, entrando no domínio da formação do Direito, unindo a teoria à prática. (in Função Criadora do Juiz - Juvêncio Gomes Garcia, pg. 18,19, Editôra Brasília Jurídica, 1.996, 1ª Ed.)."

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