Artigo - Reflexão sobre o "politicamente correto"

6/3/2015
Márcio Luís Chila Freyesleben

"Prezado dr. Ovídio Rocha Barros Sandoval: eu de há muito tenho advertido que as vivandeiras do politicamente correto assentaram praça nas searas da Justiça brasileira, ensejando o surgimento da mais inquietante geração de juristas ativistas (Migalhas 3.570 - 6/3/15 - "Politicamente correto" - clique aqui). No entender de um sem-número de profissionais do Direito (juízes, promotores, defensores, advogados, professores e, mais recentemente, delegados Federais), não há preceito constitucional que não sirva aos propósitos da Justiça social; não há dispositivo constitucional que não tenha nascido pronto e acabado. Todo o ordenamento infraconstitucional é apenas detalhe menor; o Poder Legislativo é prescindível. A Constituição é a bíblia do ativismo judicial: nela todas as respostas estão dispostas, e não há política social que não possa ser concretizada de chofre. A Constituição é o manual do politicamente correto, da qual são extraídos maniqueistamente os mais 'panacéticos' preceitos. Deveras, que advogados, defensores e promotores tenham-se deixado desencaminhar pelo canto da sereia feia, vá lá! De há muito que eles se engajaram em lutas por quaisquer bandeiras, não importando a causa, desde que 'progressistas'. É inadmissível, contudo, pretender que o Judiciário, com base em princípios lacônicos, fluidos e difusos, crie direito subjetivo à margem da lei escrita e do direito natural, ao arrepio do bom senso. Por mais bem intencionado que seja seu veredicto, os efeitos de sua decisão frequentemente ultrapassam os limites do caso concreto para repercutir nocivamente na economia da sociedade. É decorrido o tempo de o Judiciário atentar para o fato de que, ao se deixar seduzir pelo brilho fácil do ativismo judicial, a par de politizar o direito, finda por conferir caráter ideológico a suas sentenças. Certos juízes, muitos promotores, tocados pelos ventos da pós-modernidade, encarnam uma versão 'bananeira' do bom juiz Magnaud (1889-1904): o juiz francês panfletário. O bom juiz, ensina Carlos Maximiliano, era imbuído de ideias humanitárias avançadas, redigia sentenças em estilo escorreito, lapidar, porém afastadas dos moldes comuns. Panfletário, empregava apenas argumentos humanos, sociais. Mostrava-se clemente e atencioso como os fracos e humildes, enérgico e severo com os opulentos. Destacava-se, o bom juiz, por exculpar pequenos furtos, amparar mulheres e os menores, profligar erros administrativos, atacar privilégios, proteger o plebeu contra o potentado. 'Nas suas mãos a lei variava segundo a classe, mentalidade religiosa ou inclinações políticas das pessoas submetidas à sua jurisdição'. O atual juiz ativista assim como o bom juiz Magnaud são representantes de uma mesma Justiça panfletária e factóide. O nosso juiz ativista, contudo, tem a vantagem de contar com as franquias geradas por um fetiche constitucional que virou moda e que em tudo quer infundir, desbordando de suas naturais dimensões, para tudo constitucionalizar: o Direito Civil, o Direito Comercial, o Direito do Trabalho. Nada escapa ao ferrete do nosso bom juiz pós-modernista, que pisa e macera leis e códigos no almofariz dos direitos fundamentais (uma espécie de santo graal gramsciano), até conformá-los à cartilha do magistrado politicamente correto. Não contente com a nobre função de julgar, ele usurpa a função legislativa, para inovar o ordenamento jurídico, criando direitos subjetivos a seu talante. Inebriado com um ilusório senso justiceiro e evocando 'princípios' como quem entoa cânticos mântricos de alguma seita cabalística, o juiz ativista sucumbe ao sofisma da cultura protetora do mais fraco. Sob a pena do juiz ativista, os pobres serão redimidos; os excluídos, reintegrados; os discriminados, reinseridos; os presidiários, libertados. Os ricos que por ventura lhe caírem sob o guante serão severa e exemplarmente punidos pelo mais mínimo desvio de conduta; seus estabelecimentos comerciais e suas residências serão tomados de assalto em episódios cinematográficos [mire-se o caso Daslu]; suas terras serão arrebatadas pelas mãos sujas e nojentas dos terroristas do MST. Não satisfeito, o juiz ativista irá imiscuir-se na economia interna das empresas privadas, para impedi-las de demitir seus empregados (mire-se o caso Embraer). Por derradeiro, impingirá toque de recolher aos filhos de todos os pais e toque de silêncio aos pais de todos os filhos. E a toda gente não restará réstia de liberdade sequer. Sua encarniçada ânsia por Justiça social [ista] é tamanha que, caso não seja sofreado à mão-tenente dos tribunais, levará a Justiça ao descrédito, o erário à bancarrota e a economia à ruína. Reza a história que o bom juiz Magnaud posteriormente achou seu lugar na Câmara dos Deputados. Meus parabéns pelo belo e lúcido artigo!"

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