Verticalização

15/3/2006
Pedro Luís de Campos Vergueiro - Procurador do Estado de São Paulo aposentado e advogado

"A Emenda Constitucional nº 52 proibiu a 'verticalização'. Antes, sem essa proibição, podia ser instituída por lei, como o foi; porém, desde que observado o disposto no artigo 16 da Constituição, que prevê a eficácia da modificação de preceito eleitoral apenas depois de decorrido 1 (um) ano. Sendo assim, a regra que obriga a verticalidade ainda não perdeu sua eficácia. Essa lei áurea da verticalidade tramitou com uma rapidez incrível, inacreditável mesmo. De fato. A verticalidade tem origem na PEC nº 548/02, do Sen. Bernardo Cabral, apresentada em 27/2/02 e que tramitou normalmente até 12/6/02 quando estacionou na SSEXP – Subsecretaria de Expediente da Câmara. Apenas em 10/2/06 foi impulsionada a sua tramitação. E pouco mais de um mês foi o tempo necessário para aprová-la, pois foi promulgada em 8/3/06. Conveniências à parte, o fato é a validade, ou não, do artigo 16, cuja aplicabilidade no caso está sendo impugnada pelos apologistas do fim da verticalização. A redação vigente desse dispositivo não mais é a originária, mas, a que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 14/9/1993. Como destaque do que soe ser uma conveniência, atente-se às sucessivas redações desse artigo 16. Quando promulgada a Constituição era o seguinte: 'A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor 1 (um) ano após sua promulgação'. Para, quiçá, proporcionar maior clareza à obviedade do princípio, foi modificado para os termos que estão em vigor: A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência. Embora a diferença redacional seja sutil, a idéia embutida em ambos é uma só e facilmente aferível: a institucionalização da anualidade no processo eleitoral. Mas, a EC nº 52, além de abolir a verticalidade, contém um segundo artigo que procura assegurar-lhe vigência instantânea. E, surpreendentemente, seu texto é o mesmo do projeto originário: 'Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002'. Será que falhou o constituinte derivado, esquecendo de atualizar essa data? Afinal, se toda lei põe e dispõe para o futuro, é incompreensível que uma regra eleitoral nova seja aplicada a um processo que já se esgotou pela sistemática antiga. Entretanto, isso não é afoiteza não, mas, sim, oportunismo. Se a data fosse mudada, o projeto teria de padecer novos trâmites, inclusive no Senado que já se manifestara. E isso, tomaria mais algum tempo, o que não seria conveniente. Assim, aprovar a redação com a data originária não passou de uma malandragem político-jurídica: fazer retroagir a vigência da Emenda para firmar o entendimento de que a proibição da verticalização já estaria estabelecida para o ano de 2002, de forma que a anualidade do artigo 16, então, já teria transcorrido. Engenhoso pode ser, mas amoral. Em política tudo são conveniências políticas, ou dos políticos, que são pactuadas nos bastidores para que possam se perpetuar no exercício do Poder e desfrutar das benesses que os dinheiros públicos, e também os não públicos, garantem. As duas últimas votações realizadas pelo plenário da Câmara confirmam, à saciedade, essa postura. Se os constituintes de 1988 transformaram o princípio da anualidade do processo eleitoral (art.16) em regra constitucional, é porque entenderam que isso era bom, como realmente é, para o exercício da democracia num Estado de Direito. Fazer valer a regra da anualidade será demonstrar respeito à dignidade dos cidadãos e assegurar a paz social. A palavra decisória pertence, agora, ao Supremo Tribunal Federal. 'Ita speratur'. "

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