Renúncia - Dilma

17/8/2015
Marco Aurelio Chagas Martorelli - ex-Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto em 1992

"Participei do almoço de confraternização promovidos pela AAA do Largo São Francisco, em que o fundador daquela prestigiosa instituição, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, proferiu o polêmico discurso pelo qual exortou os presentes a assumirem suas parcelas de responsabilidade face o lastimável estado moral da administração e da política brasileiras. Mais que isso, participei da discussão do conteúdo desse discurso, apoiei-o e o sustento como declaração de compromisso com os princípios éticos que norteiam e sempre nortearam as mentes e corações dos que pretendem defender as melhores tradições democráticas das Arcadas. Nesse contexto, o pedido final, a renúncia da presidente democraticamente eleita, sustenta-se na indiscutível corrosão da sua legitimidade como legatária da confiança depositada na oportunidade daquele pleito e na sua evidente incapacidade de retomar a liderança ética que outrora eventualmente exerceu. Acrescento, ainda, que muito me surpreende algumas declarações de colegas, juristas e outros destacados comunicadores acerca da dogmática defesa da sacralidade da manutenção do resultado das urnas, que reconduziram a presidente da República à titularidade do Direito, do poder e do dever de defender as instituições democráticas brasileiras. Collor de Mello também foi eleito legítima e democraticamente, e foi apeado do poder de maneira igualmente legítima e democrática. A despeito das acusações da prática de ilícitos, que, à época, sustentaram juridicamente o pedido de seu impeachment e das quais foi posteriormente inocentado, a verdade é que essa saída jurídica foi construída como resposta à sociedade que se mobilizou maciçamente em razão da ilegitimidade política do então presidente, da sua incapacidade de reverter o lamaçal que urdiu em seu pouco tempo de governo, e nas seguidas tentativas de derrubar, a todo custo, as instituições do Estado de Direito que ainda lutavam para consolidar-se naquele momento de reconstrução nacional. Ao longo de seu curto mandato, fez da mentira, seu lema; da arrogância, seu discurso; da corrupção, sua estratégia de governo; da leniência com os apaniguados, sua resposta aos indignados. As evidências de corrupção trazidas pela mídia eram tratadas com escárnio pelos denunciados, mas eram tantas que demoliam todas as tentativas de defender o indefensável. Participei ativamente de tudo isso, desde os primeiros sussurros de insurgência democrática até a redação do pedido de impeachment; das intermináveis reuniões estudantis à coordenação do Movimento pela Ética na Política, com José Gregori, Oded Grajew, João, Sayad, Émerson Kapaz, José Roberto Batocchio, João Roberto Piza Fontes, Sérgio Mindlin, e mais representantes de várias entidades civis, como CUT, SBPC, OAB, ABI, UNE, UBES, entre outras, além de destacados juristas (dentre eles alguns que defenderam, à época, os mesmos argumentos que hoje contestam como bases para o impeachment). Das discussões teóricas sobre o que implicaria ofender a legalidade formal do primeiro mandato eletivo pós-ditadura amadurecemos o convencimento de que, apesar de vivermos numa democracia ainda frágil, não podíamos recuar na defesa dos valores éticos que a tornariam forte e permanente. Parodiando a trova acadêmica, aprendi que eleição é meio, e não fim. Sem dúvida, um momento crucial do processo democrático, mas não pode ser usada como escudo a malfeitores e nem como justificativa intransponível para manter no poder quem demonstra reiteradamente pendor para usá-lo em desfavor da sociedade e em favor de seus apaniguados. Lealdade é uma característica pessoal louvável; porém, ser leal a pessoas e organizações em prejuízo aos valores e compromissos assumidos perante uma nação é intolerável."

Envie sua Migalha