Impeachment, cassação de mandato, renúncia, nomeação, manifestações...

22/3/2016
Valter Teixeira Junior

"A beleza do Direito reside na sua natureza dialética. As questões submetidas ao crivo jurisdicional são questões eminentemente hermenêuticas. No mais das vezes, não existe o certo e o errado. Existem, no máximo, interpretações das leis que integram um sistema jurídico, bem ou mal fundamentadas. Num caso de tamanha relevância, com tal repercussão e com tantas nuances hermenêuticas possíveis como o que ensejou a decisão de levantamento do sigilo do conteúdo das interceptações das comunicações telefônicas do ex-presidente da República, parece-nos, data máxima vênia, leviano tachar a decisão de publicização das gravações e transcrições de 'atentado ao Estado de Democrático de Direito', como pretenderam alguns. Em primeiro lugar, porque descartar sumariamente qualquer outra interpretação que não aquela que optasse pela manutenção do sigilo do produto das interceptações importa em amesquinhar sobremaneira a tão nobre quanto espinhosa função jurisdicional. Fazer crer que uma questão complexa, que permite diferentes interpretações, exigindo minucioso juízo de ponderação axiológico por parte do intérprete, deveria ter sido tratada de forma simplista, rasa e unívoca é, no mínimo, uma desonestidade intelectual - vale lembrar, nessa senda, que verdades absolutas não combinam com Estado Democrático de Direito; são típicas, isso sim, de Estados totalitários. Em segundo lugar e acima de tudo, porque, se a decisão de levantamento do sigilo das gravações e transcrições produtos das interceptações telefônicas do ex-presidente teve um mérito, foi exatamente o de afirmar a cidadania, enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito. Ora, se o povo é o titular de todo Poder que dele emana, nada mais congruente que confiar-lhe protagonismo, nada mais republicano e democrático que franquear-lhe acesso a tudo que lhe diga respeito - e a trama desnudada nas comunicações telefônicas interceptadas, com efeito, diz-lhe respeito. Ou será que alguém ousa negar a existência de interesse público, legítimo e manifesto, do povo, de tomar ciência de tratativas reveladoras de uma trama (envolvendo o ex-presidente, a atual presidente da República e ministros de Estado) que, em última análise, representava perigo real e imediato, ameaça concreta à coexistência independente e harmônica dos Poderes da União, à atuação independente do Ministério Público, enquanto instituição essencial à função jurisdicional do Estado, e ao exercício pleno, pela Polícia Federal, das suas funções de Polícia Judiciária da União? Não se concebe cidadania real e efetiva sem transparência e acesso a informação. Até porque, convenhamos, cidadão que é sumariamente alijado dos assuntos que dizem respeito à Administração Pública não é cidadão na acepção mais ampla do termo. É massa de manobra, no mais das vezes de regimes totalitários travestidos de estruturas pseudodemocráticas que só se prestam a conferir-lhes uma falsa e aparente legitimidade popular."

Envie sua Migalha