Fabuloso migalheiro

24/4/2006
Antonio Carlos Rocha da Silva

"Fábula do Sauvão - O sauvão saboreou o ter fecundado a rainha. Mais que o prazer sexual do ato, gozou o sentimento de poder aurido da submissão da todo-poderosa do formigueiro. Dessa energética sensação captou a força que lhe possibilitou arrostar o inelutável destino dos iças após a revoada da morte, ritual de acasalamento criado pela natureza. Despiu-se das asas, e, por meio de suas antenas quase parabólicas, transmitiu mensagens salvacionistas ao grupo de insetos agonizantes próximos a ele. Muitos acreditaram. A fé constrói e destrói dogmas. Fortalecidos por ela, iças se transformaram em sauvões guerreiros. Sob o comando do novo rei, foram invadindo pequenos reinos, destronando rainhas, impondo novos costumes, novas regras. A principal delas : a nova classe dominante não precisava se exaurir nas filas de cortadoras e carregadoras de folhas. A massa alimentar, delas derivada com a fermentação natural, jazia à disposição dos vencedores nas recônditas grutas onde as formigas obreiras as haviam guardado. Para angariar novos acólitos, os formigões distribuíram partes dessas reservas para proporcionar uma dieta saudável aos insetos enfraquecidos que, por não serem aceitos como trabalhadores, morriam cedo. As hostes dos formigões cresceram. Aplaudiam o rei que não cansava de viajar, de formigueiro em formigueiro, agitando antenas em discursos inflamados e de fácil compreensão pelas saúvas obreiras: mais guerreiros, novos domínios. Os que alertavam para a exaustão das reservas, mediante a quebra da antiga regra de poupar para o inverno, passaram a ser execrados como privilegiada elite conservadora inimiga dos proletários explorados por rainhas e nobreza vil. Grupos de comunicação foram cooptados por suborno ou chantagem. Aos adversários renitentes, pena de morte. A Nova Ordem não admitia oposição. Qualquer meio passou a ser válido para a derrocada dos antigos costumes e valores. Cigarras foram chamadas a participar da propaganda do império em expansão. Seu canto interessava aos donos do poder. Atraia apoios à cultura progressista. Pão, circo e messianismo desorganizaram a produção e distribuição de alimentos. A multidão de formigas cortadeiras e carregadoras nomeadas pelo rei para os cargos de direção de seus domínios não tinha preparo para exercer funções executivas. No entanto, sobrava-lhes a capacidade de se locupletar à custa das reservas minguantes. Em alguns anos, a floresta readquiriu a pujança de outrora ao se livrar das saúvas que, pouco a pouco, se extinguiram sem que os biólogos atinassem o porquê."

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