Caso Richthofen

7/6/2006
Rafael Micheletti de Souza – escritório Melchior & Micheletti Advogados Associados

"Ainda a propósito da repulsa ao júri televisionado manifestada pelo migalheiro Alberto Silva Franco (Migalhas 1.427 – 5/6/06 - "Painel Migalhas") e ecoada pelo migalheiro Edgard Silveira Bueno Filho (Migalhas 1.428 – 6/6/06 - "Migalhas dos Leitores"), gostaria de expor uma opinião divergente: Não sendo penalista, a prudência manda que me abstenha de opinar sobre matéria tão alheia ao meu campo de conhecimento. No entanto, embora milite em outra seara, sou cidadão e, por isso, sou favorável sim, ó horror, ao júri televisionado. Crimes contra a vida, quem os julga é a sociedade, representada pelos jurados, cidadãos comuns que expressam, no veredicto, o sentimento de Justiça que não é senão o da própria sociedade; não os julga o juiz, esse o iniciado na ciência cada vez mais esotérica do Direito, que expressa um juízo eminentemente técnico, cujo sentido não raro escapa ao entendimento do vulgo. Pertence à sociedade o direito inalienável de assistir ao júri, de ouvir os arrazoados e contra-arrazoados, de acompanhar os debates, de presenciar os testemunhos, de ver a exposição das provas e das contraprovas. Se o caso tem provocado comoção popular, se muitos tencionam acorrer à sala do júri, se não há espaço para todos, é acertado televisionar a sessão e assim democratizar mais e mais essa instituição que Rui Barbosa tantas vezes elogiou, considerando-a não apenas instituição jurídica mas 'uma criação política de suprema importância no governo constitucional'. O móvel do interesse é a 'curiosidade mórbida' da população? Que seja: todos nós, seres humanos, somos impelidos por paixões nem sempre louváveis. 'Homo sum', disse Terêncio, 'humani nihil a me alienum puto' ('sou um homem, nada do que é humano me é alheio'). Não importam os motivos, explícitos ou absconsos, que levam um cidadão à sala do júri; cada um tem suas razões particulares que não interessam a ninguém. A exposição do sacrossanto júri em tantos lares irá transformar o 'processo judicial num espetáculo de queima às bruxas', como disse um ilustre migalheiro? Será mesmo? Ora, é precisamente no julgamento que o réu tem a oportunidade de expor sua defesa, de contar o seu lado da história, de refutar uma a uma as teses do acusador. O julgamento televisionado permitirá que mais pessoas tenham acesso à versão dos fatos segundo o ponto de vista da defesa, que mais pessoas ouçam os dois lados do embate, que mais pessoas possam formar uma opinião diversa daquela imposta pelo senso comum e pelos exageros da imprensa marrom. As bruxas sofrem o linchamento moral da opinião pública quando a sua versão dos fatos, quando a sua defesa são sonegadas ao povo. Daí o sentimento de estranheza e até de injustiça que tantos veredictos de absolvição deixam na população, à qual, por desconhecer a versão da defesa, não resta senão acreditar que o réu, por seu réu, era necessariamente culpado e deveria ter sido condenado. Tenho para mim que massificação do júri, digamos assim, contribuirá para a educação jurídica dos cidadãos."

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