Gramatigalhas

19/6/2006
Clayton Ávila Alves

"Prezado Autor, Não é concebível que a maioria dos brasileiros aceite certos conceitos que ferem a lógica formal ou padrão lingüístico, enriquecendo uma redação ou pronunciamento com dupla negativa (Migalhas 1.165 – 11/5/06 – "Gramatigalhas" – clique aqui). Negativa intensiva? Eu diria redundância de negativas, que perfaz o ato ignorante pelo não uso de outros termos como o 'sequer', 'quem quer que seja', 'ao menos' ou até o 'qualquer' em frases negativas. Através de seus exemplos, com fulcro na lógica frasal, entende-se que: - 'Não encontrou nada naquele autor' - significa 'nada naquele autor (alguém) não encontrou' ou, no subjuntivo, 'nada que não tenha sido encontrado naquele autor', dando sentido afirmativo; - 'Não compareceu ninguém à audiência' - significa 'ninguém à audiência deixou de comparecer (não compareceu)' ou ‘ninguém é que não compareceu à audiência' ou, no subjuntivo, 'ninguém que não tenha comparecido à audiência'; - 'Não encontrou nenhuma saída para o caso' - significa 'nenhuma saída para o caso é o que (ele) não encontrou', ou seja, ‘alguma saída para o caso foi encontrada (por ele)' ou no subjuntivo, teve 'nenhuma saída que, para o caso, não tenha sido encontrada’. – 'Não tem nada a ver' - significa que 'nada a ver é que não tem' ou 'nada que não tenha a ver', no subjuntivo. Outro detalhe: 'coisa alguma', 'pessoa alguma', 'em hipótese alguma', 'de forma alguma', 'de modo algum', 'lugar algum' ou qualquer outra expressão que inclui o pronome algum(a) posposto ao substantivo, não deveria ser considerada negativa. O efeito negativo, erroneamente conceituado, fere o entendimento de que são, na verdade, expressões auxiliares de frases que já incluem uma negativa. Ex: 'Não vai a parte alguma', difere de 'não vai a parte nenhuma', pela própria origem da palavra – 'alguma', que produz existência, é oposto a 'nenhuma', que produz inexistência. Num meu entendimento, o pronome 'algum', ou 'alguma', não deveria, mesmo que pela posposição ao substantivo, assumir ou, numa linguagem literária, transformar-se em negativa. Isso é um absurdo, pelos seguintes motivos: - O pronome indefinido 'algum(a)' não caracteriza uma negativa, como o pronome de mesmo tipo e seu opositor, 'nenhum(a)'; - Substituindo-o pelo pronome indefinido 'qualquer', que possui a mesma referência, as expressões não perdem o seu valor positivo, como: 'em qualquer hipótese', o mesmo valor que ‘em hipótese qualquer'; 'de qualquer forma', o mesmo valor que 'de forma qualquer'; 'qualquer jeito', o mesmo valor que 'jeito qualquer'. 'Qualquer pessoa', o mesmo valor que 'pessoa qualquer'. Se 'qualquer coisa' ou 'coisa qualquer' tem o significado de 'alguma coisa', seja qual for essa coisa, então: 'em qualquer hipótese', ou 'seja qual for a hipótese', ou ainda 'em qualquer hipótese que seja', teria o mesmo valor que 'em hipótese alguma' ou 'em alguma hipótese', diferindo-as no tipo de aplicação; 'de forma qualquer' ou 'de qualquer forma', teria o mesmo valor de 'de forma alguma' ou 'de alguma forma', diferindo-as no tipo de aplicação. A diferença entre a forma comum e a posposição, que tem um sentido mais amplo ('modo algum' refere-se a todo e qualquer modo), é que a primeira é utilizada nas frases afirmativas e a segunda, mais utilizadas nas negativas. Portanto, a posposição feita pelo pronome 'algum', junto com uma negativa, não faz uma dupla negação. O pronome 'alguma' não é como o 'nenhuma'. Este sim é negativa. Entende-se que 'coisa alguma' pode significar 'coisa qualquer que seja' ou 'uma coisa sequer'. Se 'eu comprei alguma ferramenta', a negação seria: 'Eu não comprei ferramenta alguma', ou seja, 'Eu não comprei uma ferramenta sequer', ou ainda: 'Eu não comprei qualquer tipo de ferramenta (não existe ferramenta especial, portanto não houve compra de ferramenta)'. Embora muitos livros, jornais, revistas e até letras de músicas, lamentavelmente, ferem a lógica, devido à introdução das referidas duplas negativas, que não fazem o padrão de negar a negação, já se questiona o seu mau uso, com esclarecimentos, para que se evite o seu constante mal entendido. Sem mais para o momento, agradeço a atenção."

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